Ainda vamos a tempo

“A Guarda, e o interior fronteiriço na sua generalidade, têm um desafio a ultrapassar: conciliar as exigências da coesão interna do país, lutar por elas, e olhar mais longe, para o mundo e perceber as potencialidades que pode envolver nessa visão global. “

Felicito o jornal O INTERIOR pelo seu aniversário e a relevante missão social que tem desempenhado ao longo destes 23 anos, e agradeço o convite para escrever estas breves notas sobre a realidado sociopolítica da Guarda, concelho e distrito do interior, mas também de um país periférico.
Aqui se define o contexto da nossa realidade, a complexidade de um duplo constrangimento – a interioridade e a periferia – que desafia as estratégias e as políticas públicas no sentido de atenuar os desequilíbrios e que justifica a discriminação positiva com vista à coesão territorial e ao desenvolvimento económico e social.
A interioridade da Guarda está para lá da sua inevitabilidade geográfica. Ela percebe-se pela tensão entre uma força centrifuga que a atrai para o litoral urbano e cosmopolita e a que lhe acena com os caminhos que conduzem à dimensão peninsular da sua inserção estratégica, transformando a nossa região num fator determinante de afirmação da identidade nacional na integração global numa comunidade política alargada como é a União Europeia.
Pese embora os desafios com que nos confrontamos nos tempos de hoje, marcados pela guerra e pelas tensões geopolíticas, pelos impactos sociais das crises económicas e financeiras e pela tendencial desagregação do processo de globalização, temos de concluir que há uma outra inevitabilidade, essa, sim, determinante, que é a do aumento da concertação das políticas públicas.
O reforço da União Europeia, das suas múltiplas realidades, da concertação de interesses e de lideranças fortes, é condição essencial para a evolução capaz de ultrapassar os riscos e os desafios da instabilidade global.
A Guarda, em concreto, será tanto mais forte e capaz de vencer os riscos e desafios do seu contexto, quanto mais assumir a sua natureza de ponte e transição entre realidades políticas distintas. A sua qualidade de região transfronteiriça de dois espaços políticos e culturais tem de ser capaz de valorizar as suas potencialidades próprias nos domínios da economia, das relações de comércio e na vivência social.
Portugal tem vivido sob o domínio de uma lógica política centralizadora, de fraca equidade na distribuição dos recursos públicos, geradora de desequilíbrios regionais e resistindo a mais fortes apostas nas políticas de coesão territorial e sustentabilidade social.
O interior precisa de gente, de infraestruturação e de investimento público e privado. Precisa de um bom sistema de ensino que cative o rejuvenescimento demográfico, de cuidados de saúde que garantam um acesso de qualidade aos cuidados médicos, de serviços públicos descentralizados que tornam mais cómoda a vida das pessoas e que humanizem a sua relação com o Estado para que contribuem.
A Guarda, e o interior fronteiriço na sua generalidade, têm um desafio a ultrapassar: conciliar as exigências da coesão interna do país, lutar por elas, e olhar mais longe, para o mundo e perceber as potencialidades que pode envolver nessa visão global.
E é por isso que não pode perder o grande projeto das próximas décadas. Constituir-se como a grande plataforma ferroviária, que ao ligar as linhas férreas da Beira Alta e da Beira Baixa, se constituirá como a grande capital de ligação à Europa via Salamanca-Madrid.
Para isso, deve sustentar-se nos instrumentos e programas que a integração europeia e as políticas comuns nos possibilitam nos dias de hoje.
E apesar de tudo, acredito que ainda vamos a tempo.

* Deputado ao Parlamento Europeu e ex-presidente da Câmara a Guarda

Sobre o autor

Álvaro dos Santos Amaro

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