Apesar da existência e a natureza dos “qualia” continuarem a ser objeto de debate na filosofia contemporânea da mente, por poderem ser interpretados como uma contestação “do facto”, o termo define as qualidades subjetivas das experiências mentais conscientes. Para Dennett, os “qualia” não podem ser comunicados ou apreendidos se não pela experiência direta, são propriedades não relacionais que não se alteram conforme a relação da experiência com outras coisas e todas as comparações intersubjetivas dos “qualia” são impossíveis. «Experienciar uma “qualidade”» é «saber-se que se experiencia uma qualidade, sabendo-se que é tudo isso quanto há a saber sobre essa “qualidade”». Para uma criatura consciente, ser essa criatura é ser essa criatura. Existe uma forma de ser eu, uma forma de seres tu e uma forma de ser outro.
O filósofo mais comprometido com esta forma de colocar as coisas será Thomas Nagel ao argumentar em “Como é ser um morcego?” que, embora os humanos nunca possam viver as experiências de um morcego para um morcego haverá sempre forma de o ser. Já Anil Set admite que definir consciência como «qualquer tipo de “experiência subjetiva”» pode ser simples e até vulgar. Mas considera, igualmente, que quando se tem um conhecimento incompleto de um fenómeno complexo, isso até acaba por ser bom. Uma vez que as definições precisas, como a história da ciência tem demonstrado, podem ser restritivas, acabando por ser mais úteis aquelas que acompanham a evolução da compreensão científica dos fenómenos. Atuando como andaimes do progresso científico, em vez de se instituírem como pontos de partida ou como um fim em si mesmo, na perspetiva de Anil Seth, as definições relacionadas com a consciência devem evoluir à medida que o próprio conhecimento da consciência evolui. Definições à parte, o professor de neurociência cognitiva e computacional da Universidade de Sussex, considerando que a consciência não nos permite ver a realidade tal como ela é, mas sim como como nós próprios somos, considera também que haverá tantas definições de consciência como de pessoas. A forma como experimentamos a realidade, a nossa realidade, é a interpretação que o nosso cérebro faz dos estímulos do exterior. O nosso ambiente é real, as coisas são reais, a nossa consciência é real, no entanto, a consciência não permite ver a realidade tal qual ela é, apenas permite vê-la tal qual somos. Mas, afinal o que somos e o que, sendo-o, vemos?
Louise Glück achava que olhamos para o mundo só uma vez, quando crianças. O que não será muito reconfortante para quem julgava poder olhar o mundo de diferentes maneiras, talvez por isso valha a pena voltar a Nagel, que, no seu artigo “A possibilidade do altruísmo”, começa por defender que, da mesma maneira que existem requisitos racionais para o pensamento, existem requisitos racionais para a ação. Sempre se abre a possibilidade de acreditarmos que, à falta de podermos alterar a consciência de alguém, a sua perspetiva do mundo, poderemos sempre agir no sentido de melhorar a forma como nós próprios olhamos para ele. Ou, se for o caso, defender a visão que dele temos e a nossa consciência.
A vermelhidão do vermelho
“O nosso ambiente é real, as coisas são reais, a nossa consciência é real, no entanto, a consciência não permite ver a realidade tal qual ela é, apenas permite vê-la tal qual somos.”