A Renault na Guarda

Escrito por Francisco Manso

“Em começos da década de 60, a Guarda era uma pequena cidade, com menos de 15.000 habitantes, que vivia do estatuto de sede de diocese, de distrito e concelho. Era capital de um interior, já pobre, mas muito menos interior que hoje.”

A GUARDA EM 1960
Em começos da década de 60, a Guarda era uma pequena cidade, com menos de 15.000 habitantes, que vivia do estatuto de sede de diocese, de distrito e concelho. Era capital de um interior, já pobre, mas muito menos interior que hoje.
Tinha-se a noção que havia muito a fazer para dinamizar estas terras e estas gentes, sempre a caminho de outras esperanças no estrangeiro, e a França, na altura, o grande salto na vida, assim se julgava. Para combater esta situação precisava-se, imperiosamente, de novos e grandes investimentos, que não se anteviam.

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1. Fábrica da Renault, na Guarda.

A Renault em Portugal

Em Portugal, a história da Renault terá começado em 1929, aquando da inauguração do primeiro stand de vendas, e nunca mais parou, sempre a evoluir, marcada pelo progresso da globalização. Em 1963, a implementação da primeira unidade industrial, na Guarda, responsável pela produção, entre outros, do mítico Renault 4, com a sociedade Indústrias Lusitanas Renault, foi um passo decisivo para a consolidação da marca no país.

Uma história rocambolesca

Por essa altura era presidente do Conselho de Administração das Indústrias Lusitanas Renault Basílio Freire Caeiro da Mata, um homem importante dentro da estrutura do Estado Novo. Empreendedor, procura dinamizar a Renault em Portugal, tendo, para isso, que criar uma unidade industrial. Onde, não sabia, mas parece que teria sido o próprio Oliveira Salazar quem teria incentivado o Eng. Basílio Caeiro da Mata, filho de José Caeiro da Mata, seu antigo ministro da Educação Nacional e dos Negócios Estrangeiros, a fazê-lo no interior do país. Faz diligências em vários municípios, e sempre sem sucesso. O assunto torna-se público, vem nos jornais.
Estávamos em 1962 e Joaquim Pina Gomes, então presidente da Câmara da Guarda, toma conhecimento que o presidente do Conselho de Administração das Indústrias Lusitanas Renault pretendia instalar em Portugal uma unidade de produção de automóveis, e da frustração que Caeiro da Mata sentia por encontrar tantos obstáculos ao seu projeto por parte das câmaras por ele contactadas. Seriam tantos que ia procurar alternativas em Espanha. Sai de Lisboa de comboio e quando, no dia seguinte, o comboio parou, obrigatoriamente, na estação da Guarda, é surpreendido por uma comitiva da Câmara, presidida por Joaquim Pina Gomes, que já ali se encontrava à sua espera. Pedem para lhe falar e dizem-lhe que já não precisava seguir viagem pois aqui encontraria todas as facilidades e apoios necessários ao seu projeto, nomeadamente na cedência do terreno apropriado, junto à estação de caminho de ferro.
Caeiro da Mata fica encantado com a visão desta gente (a sua mãe era natural de Manteigas) e agora já nada fazia parar o seu projeto! Feitos os estudos prévios, as obras têm início logo em março de 1963, faz agora 60 anos.

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2. À espera do comboio presidencial. Foto A. Oliveira.

A fábrica e a Guarda Fiscal

As obras avançaram a um ritmo rápido, de forma que em novembro já se encontrava instalado o equipamento. Em janeiro de 1964 começa a montagem de automóveis e a 4 de março desse ano é criado o posto fiscal da Guarda-Gare, da secção de Vilar Formoso da 6ª companhia do batalhão nº 3 da Guarda Fiscal, destinado à fiscalização da montagem de automóveis, em regime de depósito franco, na empresa Indústrias Lusitanas Renault, S. A. R. L.

A inauguração

Foi a 2 de junho de 1964 que o então Presidente da República, Américo Tomás, veio à cidade inaugurar esta primeira unidade industrial da empresa, que será responsável, entre outros, pelo mítico Renault 4, a que se seguiram outros modelos, entre os quais o R5, R6, R8, R10, R12, R16 e a Trafic. No total foram quase 200.000 viaturas.

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3. Presidente da República, junto de uma Renault 4.

Os metalo-batatas

Os trabalhadores da Renault, conhecidos por metalo-batatas, pois muitos deles eram de origem rural e conciliavam a atividade fabril com a ligação à terra. Eram bem remunerados, bem acima da média, e se no início eram 50 trabalhadores, chegaram a ser 500. Nestas circunstâncias, não admira que a sua influência sobre a cidade e a região fosse grande, mesmo marcante.

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4. Joaquim Pina Gomes. Belmonte, 1914, Lisboa,2004. Col. Ana Manso e Basilio Freire Caeiro da Mata. (Coimbra, 1912; 1996)

O fim

Segundo a Renault, a fábrica da Guarda deixou de ser rentável, havia novas tecnologias, o Mercado Comum e a União Europeia às portas. Em 1989 foi vendida aos alemães da Reinshagen (GM), mas já em 1979, antevendo o pior, os deputados Rui Marrana e Álvaro Estêvão (CDS) questionavam o Governo sobre o Projeto Renault. Reicab, Cablesa, Delco ou Delphi passaram a ser nomes comuns associados à Guarda. Presentemente, as instalações da antiga fábrica da Renault são propriedade de Bernardo Marques.

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5. Protestos. Foto Manuel Pacheco.

 

* Investigador da história local e regional

Sobre o autor

Francisco Manso

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