A reforma do SNS

Escrito por Diogo Cabrita

“O SNS tem de reduzir os resíduos, tem de construir-se repensando as rotinas, questionando o consumo exagerado e a atacando o desperdício. “

O prefixo “re-” causa muitas dúvidas referentes ao hífen. O “re-” pode usar-se com três significâncias: 1- Repetir, por ex., “reler”, 2- Reforçar, como em “rebuscar”, 3- Retrocesso, como em “reverter” e este lembra-nos uma transportadora aérea e as PPS. Na gramática não se usa o hífen, mas realmente há regras para o uso do prefixo dependendo das letras que começam a palavra prefixada. Não viemos a isso.
Os R’s da Saúde começam por ser os de sempre – Reciclar, Reduzir e Reutilizar. No mundo do negócio da saúde obstaculizamos estes R’s com os de segurança e o a de assepsia. Hoje, o SNS produz incontáveis de toneladas de plásticos e papel num contraciclo com as ideias do planeta sustentável. Deve haver maneira de reduzir o lixo assustador da cirurgia laparoscópica. Aos primeiros R’s acrescentam-se Repensar e Recusar. Para mim o R ideológico é o da recusa, aquele que nos define como um campo de batalha pela crença, pelo engajamento, pela convicção. Recuso gastar tanto papel, recuso imprimir sem necessidade, recuso usar materiais comprados a países de trabalho infantil. A revolução é eficaz se for individual, não precisar de solidariedade nem de aplauso.
O SNS tem de reduzir os resíduos, tem de construir-se repensando as rotinas, questionando o consumo exagerado e a atacando o desperdício. O que fazemos do lixo hospitalar? Os hospitais são fábricas de sujidade e de lixo. Entram toneladas de alimentos, roupa lavada, “insumos”, como se nomeia no Brasil a utilidades várias, e tudo sai para lavandarias, carros de lixo, vazadouros. O SNS tem de idealizar consumos racionais, reduzir a percentagem de exames que se fazem apenas por teimosia, para desresponsabilizar. Li algures que 85% dos métodos complementares de diagnóstico realizados no SNS são normais. Produtos melhores, que duram mais, que são mais resistentes reduzem o consumo a mais longo prazo. Repensar o empacotamento insano que se processa nos hospitais do SNS.
Podemos reutilizar as embalagens? Podemos fazer manutenção do que se desgasta? Podemos substituir os MCDT mais antigos pelas técnicas mais modernas saltando anos de sequências passo a passo que encarecem? Reparar é uma importante função da manutenção. A manutenção pode ser um enorme negócio para lá das compras. Os consumíveis são outro lote de gastos no SNS que nos deve focar num consumo consciente. Consertar e produzir autonomamente é outro dos caminhos para o SNS emagrecer a despesa. Juntemos a estes R’s os de respeito e responsabilização. Responsabilizar os atos e remunerar o trabalho passa exatamente por contabilizar o que se assume, o que se decide, o que se produz. Decidir se responsabiliza e tem de ser incentivado. Uma característica que devia ser remunerada para estímulo é a de reagir. Reagir bem ao imprevisto, satisfazer os clientes ou utentes, com qualidade, com brio.
O SNS devia empenhar-se numa de antecipação. Prevenir a doença poderia ser no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) um dos itens favoritos, mas infelizmente só contará com dez milhões. Deixamos a obesidade sem políticas de evicção, sem a reforma dos produtos conservantes, corantes e outros indutores. Vamos para os erros de sempre: institucionalizar, investir no tratamento. Os cuidados continuados (mais de 200 milhões) deviam ser substituídos por cuidados ambulatorizados, por manter as pessoas nas suas casas. Mas aqui o negócio comanda sempre. O Estado ganhava dinheiro em lhes arranjar as comodidades mínimas em trazer ao processo os familiares do doente, incluindo os que estão desempregados. Pagar e reintegrar no mercado. Reorganizar a estrutura dos encaminhamentos e das referenciações seria uma forma de minimizar recursos e alcançar mais resultados. Um centro de transplantação hepática seria suficiente. Um centro de tratamento do pé diabético seria reabilitador de muitos cidadãos. A reforma do Serviço Nacional de Saúde é uma oportunidade que deveria ser bem delineada.

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Diogo Cabrita

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