Em 1981, Gabriel García Márquez publicou a “Crónica de uma Morte Anunciada”. O livro relata, na forma de uma reconstrução jornalística, o último dia de vida de Santiago Nasar, num quebra-cabeças envolvente cujas peças se vão encaixando pouco a pouco, através da sobreposição das versões de testemunhas que foram próximas do protagonista. É a história do assassinato de Santiago Nasar pelos dois irmãos Vicario, sem chance de defesa. No romance, quase todos os habitantes do lugarejo onde vive Santiago ficam a saber do homicídio premeditado algumas horas antes. Daí o título. Mas nenhum faz nada de concreto para proteger a vítima ou para impedir os algozes. Uma das intenções de García Márquez é a de demonstrar a consternação face à incrível quantidade de coincidências funestas acumuladas que deixam no ar a inquietante reflexão de que «a fatalidade nos torna invisíveis». O autor descreve o dia da morte de Santiago como um dia em que fazia um tempo fúnebre e durante o qual, no preciso instante da desgraça, caía uma chuva miúda como a que Santiago Nasar vira no bosque, no sonho, chuva que era, na realidade, excremento de pássaro.
Outro sinal de presença do incrível é a forma que García Márquez dá ao remorso, como punição para o crime e a negligência. A morte de Santiago foi anunciada por toda a vila de Riohacha, mas apenas ele permaneceu na ignorância do que se ia passar, até ao momento em que foi esfaqueado à porta de casa. Desde o talhante à empregada do café, do padre ao delegado da polícia, todos sabiam que Santiago tinha Pedro e Pablo à sua espera, com as facas afiadas para matar porcos. No entanto, por medo, receio, cobardia, comodismo, ou mero sadismo, ninguém avisou Santiago, preferindo antes observá-lo, inocente e ingénuo, caminhando impávido e sereno para a morte.
Esta obra de García Márquez traz-me à memória o triste acontecimento da demissão da Comissão Covid-19 na Unidade Local de Saúde da Guarda e de tudo o que aconteceu a seguir. Já toda a gente sabia que a atual administração da instituição é a mais incompetente e fraquinha que por ali passou, sabendo nós que houve muitas que foram péssimas. A sua morte há muito que estava anunciada. Só não caiu antes por falta de substitutos que propiciassem a sorte que há muito merece. De facto, a tudo isto Garcia Márquez chamaria a “Crónica de uma Morte Eternamente Anunciada”.
Quando instada a pronunciar-se sobre o caso da demissão da dita comissão por uma jornalista da RTP, que confundiu “comissão” com “direção” e por isso falou em demissão da “direção do hospital da Guarda”, a ministra da Saúde, acreditando na veracidade da informação prestada pela jornalista e julgando que a administração havia realmente apresentado a sua demissão, afirmou que a dita cuja já havia cessado o seu mandato em 2019 e que iria ser substituída em breve.
Nunca, em décadas de problemas no hospital da Guarda, uma administração foi demitida em direto e por engano, de forma tão acintosa! Claro que um ministro nunca se engana. Por isso, à ministra da Saúde só restou seguir em frente e, por essa razão, já se iniciaram os contactos para a constituição da nova administração. Sei quem é o cabeça de cartaz, quem foi convidado para pelo menos três dos lugares no novo elenco, e confesso que só conheço assim-assim uma das pessoas em causa. Se a equipa se vier mesmo a constituir, desejo ao homem de Coimbra e à sua equipa as maiores felicidades e sucessos, uma vez que os problemas que a ainda atual administração deixou por resolver ou ajudou a agravar são enormes. Espero que não cometa os mesmos erros que aquela que está de saída. E que perceba que gerir com indecisão e espírito de birra e de amuo, e muito menos contra os elementos mais válidos e competentes da instituição, só pode conduzir à desgraça. A Isabel Coelho resta a honra de ter conseguido transformar os seus antecessores, incluindo um que foi criminalmente acusado e dois que foram condenados, em verdadeiros estadistas. É caso para se dizer, mais vale tarde do que nunca!