Por aqui, além de termos alcançado a proeza de encolher o horizonte, com que a Natureza nos brinda desde a Torre de Menagem (a que dificilmente um turista descobrirá como aceder), parece que também gostamos de ignorar as marcas que o tempo e o lugar nos legaram.
Em época de restauro ambiental, damos em degradar a paisagem e o ambiente com “passadiços”. Quando os outros procuram arrefecer as cidades e guiar a água da chuva para sítios que a preservem arrancando o pavimento, nós alcatroamos caminhos pelas aldeias do concelho afora. Depois de toda a gente perceber que reconstruir é económica e urbanisticamente mais inteligente do que construir, decidimos manter os estudantes acantonados ao fundo das ruas cada vez mais desertas. Por entre estes e outros desvarios, como o da anunciada fábrica de cervejas com que, em nome de um alegado progresso, pagaríamos uma dúzia de empregos, a preço de saldo, com a nossa água, ainda nos conseguimos lembrar de promover a queima de combustível numas provas de desporto automóvel.
Felizmente o primeiro não passou do habitual anúncio. Infelizmente, para que nem o fumo dos escapes, nem o barulho dos motores e o cheiro a pneu queimado nos faltem, gente que se queira juntar para conseguir o aprovisionamento deste tipo de poluição, a julgar pelo número de eventos ocorridos, é coisa que parece não faltar por aqui.
Desta nossa mania, de não ligar aos precedentes nem às consequências das festas e procissões com que nos enfeitam os dias, será sempre tarde para nos arrependermos. Tarde para construir o que falta, destruir o que sobra e reparar o que o tempo e o desmazelo, inexoravelmente, desgastaram. Será tarde para que os que partem voltem e os que voltem queiram ficar, mas disso não damos mostras de nos apercebermos e havemos de continuar a culpar o cão do vizinho, o gato dos parentes e o periquito do colega. Culpar tudo e todos, desde que não tenhamos de lidar com a própria consciência ou erros, pelo descaso a que votámos a urbe e arredores. Uma e outros, reféns da desmemória de que parecemos ter sido acometidos, hão de mirrar, sem fama nem glória, no fundo do tempo
Ora, numa cidade onde, como se vai vendo, a história teima em ser enviesada, a vida se cala e as raízes são ignoradas, haver uma rádio com 76 anos a entretecer-nos júbilos e desgraças, quer se queira, quer não, é obra. A obra que guarda todos os 365 dias desses anos. Uns, como aquele em que apelou à solidariedade dos guardense e, em menos de um ai, conseguiu angariar o dinheiro necessário para acudirmos à criança que caiu das escadas da Santa Zita, de que todos nos lembraremos. Outros, como aquele em que, a partir do Parque da Cidade, transmitiu o concerto do Paco Bandeira, de que só se lembrarão alguns. Qualquer desses dias faz parte das histórias, coletivas e individuais, da Guarda das últimas sete décadas, mas se a Rádio Altitude as não levasse presas na bainha de todos os dias, nada contariam. Pelo menos, não contariam algo que, à semelhança dos nossos poucos monumentos, instituições e agremiações várias, unisse os guardenses num propósito comum. Por isso, antes que seja tarde e se de mais não formos capazes, à Rádio Altitude, com certeza, bastará que lhe sejamos gratos. Gratos e comprometidos com sua preservação.