As autoestradas chegaram para nos aproximar, para promover a coesão territorial e ainda mais a coesão social. A sua construção pretendia contribuir para o desenvolvimento do país e desencravar o interior, reduzir custos de contexto, aproximar as empresas da matéria-prima e dos mercados, contribuir para a correção das assimetrias e não deixar para trás os territórios de baixa densidade.
Portugal é um “pequeno” país, mas com muitas diferenças e assimetrias, com um relevo “difícil” acima do Tejo e pequenas distâncias que demoram uma eternidade para serem percorridas… Foi por isso que há 20-25 anos se construiu uma rede rodoviária que retirasse o interior do ancestral atraso e isolamento (enquanto, erradamente, se abandonava a ferrovia como alternativa).
Infelizmente, precisamente quando o impacto das autoestradas se podia começar a fazer sentir, as portagens (e a “troika”) impediram o desencravamento do interior, aumentaram as assimetrias e impediram a coesão territorial. O látego que vergastou o Interior em dezembro de 2011 teve consequências nefastas – 13 anos perdidos, irrecuperáveis e irreparáveis!
Em outubro de 2011, no seguimento de muitos protestos por aqueles que não calaram perante a decisão de implementação das portagens (e da instalação dos pórticos que se mantêm…) definida na governação de José Sócrates e concretizada por Passos Coelho, fui recebido na Assembleia da República no seguimento de um abaixo-assinado que promovi em defesa da gratuitidade das ex-SCUT – https://ointerior.pt/arquivo/contra-as-portagens/.
Confesso que, então, e após ter defendido energicamente a contestação das portagens e ter pugnado pela mobilização cívica de oposição à sua implementação, fui ao Parlamento derreado pela situação do país, estigmatizado «pelas dificuldades e com o anátema de que o amanhã vai ser ainda pior» (https://ointerior.pt/arquivo/condenados-a-piores-dias/) – vivíamos em pânico. Tanto que, enquanto contestávamos na Assembleia da República a introdução das portagens, reconhecia que era uma luta perdida, que o tempo do protesto já se tinha esgotado, que o melhor que se podia conseguir era um valor reduzido de custo de portagens. E ainda que tenha sempre estado do lado dos que mantiveram a luta contra as portagens, deixei de acreditar que um dia pudesse ocorrer… Ocorreu! A luta de alguns, poucos, que mantiveram a contestação ao longo de uns longos 13 anos foi extraordinária e ganhadora: dia 1 de janeiro de 2025 foram abolidas as portagens nas antigas SCUT – e isso terá impacto na mobilidade, na vida das empresas e das pessoas, mesmo não duvidando de que as autoestradas “trazem e levam”…
Podíamos continuar a olhar para a história, falar de governos, das posições dos partidos, de quem esteve com quem e aonde, do resgate da “troika” e da falência do país, dos cortes, do défice ou das agências de rating… de 13 anos a pagar portagens. Mas este é o momento de celebrar e de dar os parabéns a quem nunca desistiu de uma luta justa e que teve sucesso (ainda que tenha sido o resultado de uma “coligação negativa” da oposição).
Este é o momento de nos congratularmos e recordar os que que nunca baixaram os braços, os que durante 13 anos acreditaram que era possível reverter uma decisão injusta. É tempo de dar os parabéns aos que integraram os movimentos e associações, que em diversas localidades, mobilizaram e defenderam as autoestradas sem custos para o utilizador. 13 anos depois, não podemos deixar de aplaudir e saudar aqueles que abnegadamente estiveram nesta causa por todo o país e especialmente na nossa região, os integrantes da Plataforma P’la Reposição das SCUT na A23 e A25, a Associação Empresarial da Beira Baixa, a União de Sindicatos de Castelo Branco, a Comissão de Utentes Contra as Portagens na A23, o Movimento de Empresários pela Subsistência pelo Interior, a Associação Empresarial da Região da Guarda (NERGA), a Comissão de Utentes da A25 ou a União de Sindicatos da Guarda, e os que nunca baixaram os braços, o Luís Garra, o Honorato Robalo, o Luís Veiga, o Marco Gabriel, o Orlando Faísca, o José Gameiro ou o José Pedro Branquinho, entre outros. Por tudo isto, caro leitor e cidadão, esta vitória é de todos. Também é sua. Celebre!
PS: Dez anos após o massacre, “Je Suis Charlie” já não é o que era. O Charlie Hebdo pode continuar impenitente, mas a liberdade de expressão já não é a mesma – chegámos a um tempo diferente, o tempo do fim do direito de ofender, mas também o tempo de, a coberto do anonimato ou da cobertura digital, nas redes sociais, se poder dizer tudo e ofender de forma incólume. O Charlie Hebdo não voltou a ser o mesmo. No entanto, o jornal reconstruiu-se e publica todas as semanas desde aquela terrível manhã de inverno. E, atualmente, a sua circulação é de cerca de 50.000 exemplares, mais de 25% superior à de antes do atentado. A autocensura e a timidez da sociedade são a força que faz sobreviver a mensagem do “Je suis Charlie”.