P – Esta é a 11ª edição do Festival do Vinho do Douro Superior, que já é uma referência no país. Quais são os grandes objetivos do evento?
R – São dois. O primeiro é manter uma identidade, que é, desde o primeiro momento, fazer com que as pessoas e os expositores continuem a vir e percebam claramente que não há qualquer tipo de misturas. Respeitamos as outras regiões, mas não temos vinhos que não sejam do Douro Superior e, portanto, temos os nossos produtores e comercializadores no festival. O princípio da identidade é muito importante e este ano há uma novidade, que foi atrair comercializadores/ importadores estrangeiros. São quatro vindos da Dinamarca, Itália, Suécia e Suíça, porque fomos ao encontro do que as casas nos pediram. Com isto queremos provocar os importadores internacionais para dar a conhecer lá fora o Douro Superior e abrir o mercado.
P – A intenção é não levar apenas o vinho de Vila Nova de Foz Côa e da região aos diferentes cantos mundo, mas é também que quem vai comercializar seja os vossos embaixadores nesses países?
R – É evidente. Sabemos que aqui impera a qualidade, que aqui estão as melhores casas comerciais do país, estão cá todas, agora a nossa preocupação é ter alguém que, de fora, venha e perceba que há aqui produtos diferenciadores, que os leve para a Europa e que diga que temos vinhos que são concorrenciais na Europa e penso que vai correr muito bem.
P – Há muito tempo que o vinho de Foz Côa, do Douro Superior, é uma referência a nível nacional e mundial. O que falta ainda fazer para a afirmação e para levar mais longe o prestígio das empresas do setor no concelho?
R – Hoje, o Douro está muito complicado. A mensagem que vou transmitir ao ministro da Agricultura, que vem abrir o festival na sexta-feira, é que esta região está a passar por imensas dificuldades. Quem aqui está, os produtores, estão a fazer tudo ao seu alcance para lhe dar essa visibilidade, mas dá-me a sensação que as entidades competentes não estão a acompanhar o ritmo dos produtores. Estão a criar entraves, não estão a conseguir levar à União Europeia a visibilidade que o vinho, de uma forma transversal os DOC e generosos – recuso-me a falar em vinho do Porto, porque temos generoso tinto ou tratado, do Porto não há vinho – merece. Tem que haver uma melhor regulamentação, atualmente temos um excedente muito grande no Douro, mas que pode ser provocado até internamente e é preciso regular o setor muito bem. Portanto, temos que dar essa visibilidade e depois ganhar escala a nível mundial, que é isso que o Turismo Porto e Norte está a conseguir, mas faltam as instâncias nacionais darem-lhe outra visibilidade. Parece-me que as entidades competentes não estão a dar a atenção necessária ao produto que nós temos, que é um produto excelente.
P – Relativamente ao Festival do Vinho do Douro Superior, o evento é organizado há onze anos pela Câmara Municipal precisamente a pensar na capacidade dos produtores, de os expor e de permitir que a experiência proporcionada a quem vem possa levar a tal mensagem de que o vinho que se produz por aqui é excelente.
R – Tivemos a preocupação de atrair os melhores a esta feira e eles mantêm-se cá passados onze anos. Em segundo lugar, foi pegar nos produtores mais pequenos e tentar dar-lhes a maior visibilidade possível para que sejam grandes também. Conseguindo conciliar essas duas coisas, o casamento é perfeito. Ou seja, não descurar as grandes casas sediadas em Foz Côa, porque eles não estão para vir a feiras ou feirinhas expor os seus produtos, pois, no fundo, é o contributo que sentem a necessidade de dar ao território, à região e ao concelho. Por outro lado, temos aqui muitos empreendedores, muitos jovens que apostaram na parte vitivinícola, no azeite, na amêndoa, porque são recursos endógenos de excelente qualidade, e tentar torná-los cada vez maiores. O papel da Câmara Municipal é ir a feiras nacionais e internacionais e ajudá-los a terem visibilidade. Como costumo dizer, é dar-lhes a cana e não o peixe, e tem-se conseguido.
P – Quantos expositores vão estar nesta edição?
R – Ultrapassámos o número da última edição e vamos ter na ordem dos 115 a 120 expositores. Há um crescimento de quase 20 expositores face ao ano transato, neste momento estão praticamente todos confirmados. Às feiras a que vou digo sempre que este é o maior festival do país e o que tem mais qualidade – que é o que nos dizem também os governantes que têm passado por cá. Ouvir isso é muito bom e enche-nos de orgulho.
P – Cento e vinte produtores de vinho desta região, nomeadamente de Foz Côa, além do vinho o que se poderá encontrar neste certame?
R – É uma festa de vinho e de sabores. Tem que haver algum critério, como é óbvio, mas esses sabores são produtos derivados da amêndoa, o nosso azeite, porque somos um concelho de azeite e que começa a ficar na moda e a ter alguma visibilidade. Muitos produtores vitivinícolas também já são produtores de azeite e, portanto, não nos custa rigorosamente nada fazer essa conciliação. Aliás, vamos ter uma prova de azeite no festival.
P – O azeite será também uma vertente para o futuro, em que a autarquia vai apostar mais?
R – Pela primeira vez, este ano comemorámos o Dia Mundial do Azeite com algumas quintas e produtores individuais, com provas de azeites. Estamos a introduzir este setor no evento, mas não esquecemos que o festival é dedicado ao vinho. No entanto, quando tivermos mais escala para fazer um evento que tenha alguma visibilidade e para chegar à visibilidade do vinho, evidentemente que vamos fazê-lo também.
P – Outo produto endógeno, embora haja menos produção, é a amêndoa. O que pode o município fazer para recuperar a velha ideia de que Foz Côa também é a capital da amêndoa, não apenas da amendoeira em flor?
R – Há um enquadramento que tem que ser feito. Em Foz Côa temos um largo a que chamamos a Praça do Tablado, que era a nossa bolsa de Wall Street onde se regulava a amêndoa para toda a região de Trás-os-Montes e Alto Douro. Nessa altura nós erámos de todos os concelhos desta região aquele que mais amêndoa produzia e que era de excelente qualidade – neste momento já não somos. Em 1985/87 quase que fomos solicitados para retirar amendoal para plantação de vinha e é por isso que estamos agora a liderar no vinho precisamente porque, através do VITIS e das reconversões de vinhas, perdermos alguma escala no amendoal. Mas mesmo assim temos muita produção de amêndoa e aqueles grandes produtores do vinho também têm produção de azeite e de amêndoa. É evidente que neste momento não é fácil devido às alterações climáticas, que estão a criar alguns constrangimentos na região. Aliás, no discurso que vou fazer na abertura do festival, vou dizer que estamos num concelho de excesso de vinho e de falta de água, o que é muito curioso com dois rios, o Douro e o Côa, mas que com estas alterações tem que haver novas readaptações porque o produtor está a sentir isso e está lentamente a começar a adaptar-se a estas mudanças.
P – Foz Côa tem esta particularidade de ser um concelho com dois Patrimónios Mundiais, é um estatuto único. Mas falta dar-lhe ainda mais visibilidade.
R – Falta dar mais visibilidade e só esperamos que as entidades competentes não se ponham à nossa frente porque estamos num passo bem mais acelerado. Ser rural não quer dizer que a gente pense lento. Neste momento compreendemos que esta interioridade já é uma centralidade ibérica, mas ser rural é termos bem focado que temos dois Patrimónios Mundiais, temos estes recursos e estamos na linha da frente para a questão da sustentabilidade turística, nomeadamente na questão da reabertura da linha de comboio entre o Pocinho e Barca d’Alva, que é extremamente importante. Neste momento estamos nos patins da esperança, eu quero ir para os carris da certeza e quando conseguirmos lá chegar, espero bem que não nos empurrem. Queremos tornar a via férrea num recurso importante para a sustentabilidade turística que queremos implementar. Já temos a estrada líquida que é o Douro, mas também nessa estrada líquida em tempo algum eu estou disponível para deixar passar os turistas só para irem para Salamanca. É como aquela publicidade do 2 cavalos… Se conseguirmos conciliar a estrada líquida, as acessibilidades, a linha férrea e atrair ao território, conforme estamos a conseguir fazer, aumentando a capacidade hoteleira, onde, de facto, temos alguma dificuldade… Neste momento o número de visitantes é extremamente superior à oferta hoteleira que temos. Estamos atentos aos projetos das Casas do Côro junto ao Douro, estamos a terminar o empreendimento do hotel rural Foz Côa Story House, onde estamos na fase do equipamento…
P – Qual é a previsão de abertura?
R – A obra está terminada, estamos na fase de equipamento da cozinha, de adquirir o mobiliário, são questões de pormenor. Queria ver se lá para setembro conseguíamos fazer essa inauguração. Não tem muitos quartos, mas é uma ajuda. No entanto, a Covid veio dar-nos um alento muito grande porque tínhamos poucas camas… Com a pandemia começaram a descobrir o interior e tivemos um aumento significativo: tínhamos à volta de oito ou nove alojamentos locais e atualmente temos entre 40 a 50. O caminho também se fará por aí.
P – Voltando aos Patrimónios Mundiais, o Parque Arqueológico já está afirmado, o Museu do Côa é hoje uma referência em termos arqueológicos, pela sua arquitetura e exposições, nomeadamente de arte contemporânea. O que pode ser feito em relação ao Vale do Côa e ao Alto Douro Vinhateiro?
R – São duas realidades diferentes. O património do Alto Douro está a ser monitorizado pelo PIOTR, um plano intermunicipal de ordenamento do território que a CCDR faz, enquanto a Cultura está a monitorizar a parte da Fundação Côa Parque, com o parque e o museu. Temos uma ZPE (Zona de Proteção Específica) junto ao Douro onde é muito difícil edificar qualquer coisa que seja porque há critérios, somos Património da Humanidade. Concordo plenamente que os haja, agora têm que nos deixar também alguma margem de progressão sob pena de, não edificando nada, tornamos isto num “sunset” degustativo, em que ao por do sol bebemos um branco fresco, sabe muito bem, mas depois as pessoas vão-se embora. Também não estou disponível para isso e portanto temos que estar atentos à informação que nos é dada por esses dois patrimónios, mas, ao mesmo tempo, temos que nos readaptar. No caso da Fundação Côa Parque, temos que fazer, e estamos a fazer cada vez mais, parcerias com as universidades porque a investigação é fundamental, tal como a conservação e a divulgação através de projetos educativos e da vertente turística. Com estes três elementos conciliados estamos a receber cada vez mais pessoas…
P – E o Alto Douro Vinhateiro?
R – Neste momento está a passar por alguns constrangimentos que não têm a ver com os autarcas, porque estamos a sinalizar tudo isso. Há um excedente de vinho, mas certamente que o Ministério da Agricultura terá que ser mais proativo. Começaram agora, damos o benefício da dúvida ao senhor ministro, que vem inaugurar o Festival do Vinho do Douro Superior, mas terá que sentar à mesa todas as entidades e, de uma vez por todas, terá que ver qual é o caminho a seguir. É um processo complexo, é muito difícil, anda muita gente a falar do Douro, há muita gente que não percebe o que diz e não é um tema consensual porque há jogos de interesses enormes. A minha preocupação é todos esses fatores, mas não posso esquecer o pequeno agricultor que está a tentar sobreviver, que está a sentir imensas dificuldades e essa é que é a preocupação fundamental.
P – Foz Côa tem apostado na arquitetura contemporânea. O último edifício inaugurado foi o mercado municipal, que já é uma obra de referência. Quer falar-nos deste projeto?
R – Embora seja uma requalificação, o mercado municipal tem muita novidade e dois momentos distintos: o espaço interior, que tem bastante qualidade e elementos interessantíssimos; e o espaço exterior com 14 lojas e um bar. Queríamos criar, além da Rua de São Miguel sem trânsito, uma nova centralidade comercial, em que as pessoas que vão às lojas possam ir também comprar os produtos hortícolas, ir à peixaria ou ao talho… O objetivo era ter ali uma conjugação de vários fatores, de as pessoas fazerem compras sem se deslocarem muito, e as lojas terem algum critério para discriminar positivamente os recursos endógenos e os jovens até aos 35 anos. Estes tinham uma majoração para poderem concorrer às lojas, abrirem o seu negócio a baixo custo, pagarem uma renda baixa e com isso não saírem do concelho.
P – No domínio da arquitetura Foz Côa tem hoje um conjunto de obras premiadas e que são uma referência da arquitetura moderna em Portugal. A que se deve esta aposta?
R – Fazer, mas fazer bem, é isso que temos feito. Todas as grandes obras que fizemos na última década – também assumo essa responsabilidade, para o bem e para o mal, porque fiz parte dos executivos anteriores –, além da sua necessidade intrínseca, tivemos o cuidado de fazer bem, o que significa fazer uma obra para fazer parte de um roteiro de arquitetura europeu, o que já acontece com o Museu do Côa e com o Centro de Alto Rendimento do Pocinho. Vamos agora candidatar o mercado municipal, que já ganhou um prémio de menor visibilidade, ao Prémio de Arquitetura do Douro. Como sabem, Foz Côa já tem quatro dos sete prémios atribuídos desde a criação deste galardão, além das nomeações. A primeira coisa que vamos fazer, e já está em curso, é ser a melhor obra da região Norte. Mas não ficamos por aqui. A Story House também é um elemento magnífico e resulta da recuperação de uma casa senhorial antiga. Está muito equilibrada e que, certamente, iremos inaugurar no final do Verão. O nosso objetivo é poder candidatar a concursos de arquitetura também esta intervenção e fazer igualmente uma candidatura com o projeto de requalificação do Agrupamento de Escolas, da autoria de um arquiteto de renome na região Norte, que achou por bem dar-lhe um toque de diferenciação. A intervenção já tem aprovados 4,1 milhões de euros só para requalificar os quatro blocos, haverá depois uma segunda fase para os espaços exteriores, mas que vão ter também um elemento completamente diferenciador, muita cor, muita abertura. Será uma escola moderna, de modelo praticamente holandês, que acho que vai agradar e tornar as crianças e jovens do nosso concelho mais felizes.
P – Os rios são sempre uma fronteira, uma barreira, ao longo da História. Em Foz Côa, o Douro é não apenas integrador, como também um contributo essencial para pensar o futuro porque está cada vez mais na moda. No próximo fim de semana Foz Côa vai ser a “Meca” do vinho, que mensagem quer deixar às pessoas para virem ao Festival do Vinho do Douro Superior?
R – O Douro não separa, une e de tal forma que conseguiu juntar 19 autarcas, autênticos “vereadores” da Cidade Europeia do Vinho 2023. Falamos, de facto, a uma só voz e, mesmo na vertente cultural e social, estamos a trabalhar a uma só voz. Um exemplo muito simples é o “Passaporte Douro”, em que, obrigatoriamente, as pessoas que visitam a região têm que passar pelos 19 municípios. O que antes poderia separar, o rio é hoje um elemento agregador, em que se trabalha em rede e se fazem pontes. O Festival do Vinho do Douro Superior é outro exemplo, pois todos os municípios fazem questão de vir a Foz Côa, quanto mais não seja para aprenderem. Nos primeiros anos este certame era uma atração do concelho, continua a haver muita gente do concelho, mas notamos cada vez mais gente de todo o país e ilhas, do estrangeiro. Andamos três dias pelo festival e temos a sensação que não conhecemos quase ninguém, isso é muito bom sinal. A mensagem final que posso deixar é que, para quem goste de música e de vinho, este festival é um autêntico saca-rolhas de emoções.