A Revolução dos Cravos aconteceu há 48 anos, quando os guardenses José Luís Tavares Saraiva e José António Saraiva Vasconcelos eram militares no Ultramar.
O primeiro estava na Guiné, onde o oficial militar principal chegou a 20 de janeiro de 1973. «Exatamente no mesmo dia em que foi assassinado Amílcar Cabral», recorda quem considera a ida para o Ultramar «uma obrigação enquanto cidadão português. Mais tarde foi enviado para Guidage, um «sítio muito interessante», segundo o próprio. Por sua vez, José António Vasconcelos foi para a tropa nas Caldas da Rainha e rumou a Angola «numa situação muito excecional por causa da revolta do 16 de março». Inicialmente, o destino era Moçambique, mas «o miudinho com 20 anos» acabou a fazer a recruta em Luanda.
Nas antigas colónias portuguesas, o 25 de Abril foi vivido e sentido de forma diferente e com algum atraso temporal, como foi o caso de José António Vasconcelos. «Fomos com os comandos para uma zona na fronteira de Luanda, fora da cidade. Estivemos três semanas na prova de choque. Tiraram-nos tudo. Por isso é que só soubemos do 25 de Abril no final de maio», recorda. O ex-combatente acrescenta que os militares sentiram que «aquilo era uma libertação, mas não o que sentiram no Terreiro do Paço». A notícia da revolução em Lisboa é uma lembrança pouco clara para José Luís Saraiva: «Sei que houve um contentamento geral. Já não me lembro muito bem do que aconteceu, deve ter sido festa, copos e companhia, muito alarido e muita festa», garante.
A contrastar com este ambiente, a memória que José António Vasconcelos guarda do pós 25 de Abril de 1974 é mais violenta. «Quando se deu a revolução aquilo foi uma chacina», lembra, contando um episódio que nunca vai esquecer. «Trouxeram uma carrinha de presos. Deitaram-nos na parada e às tantas um levanta-se e espeta um punhal noutro que estava ao lado. No meio estava a mãe… O rapaz matou o pai. Viemos a saber que um era da FNLA e outro do MPLA. Isto reflete o que era a “febre” que lhes metiam na cabeça, mas aquilo era banal ali. Depois do 25 de Abril morreu muita tropa portuguesa no centro de Luanda», acrescenta o antigo militar.
Na Guiné, José Luís Saraiva pensava no regresso à metrópole no fim da comissão. «Com o 25 de Abril havia a sensação de que era desta vez que ia embora e a guerra acabava. Depois de passar as passas do Algarve e com mais de 50 ataques no pelo, posso dizer que estou aqui por sorte. Por milagre», acredita o guardense. Ao contrário, José António Vasconcelos achava que iria ficar em Moçambique, para onde tinha sido enviado, entretanto. «Ninguém nos disse nada. Alguns dos meus colegas foram os primeiros a regressar ao quartel da Amadora, mas a nós, que estávamos noutras funções, não nos deixaram vir», conta.
Nesses anos muitas foram as amizades que se ganharam e também as que se perderam. José Luís Saraiva, apesar de não ter muitas ligações na Guiné, ainda tentou procurar um dos seus camaradas em Portugal. «Fui sozinho em comissão individual. No Hospital Militar de Bissau ganhei conhecimentos. Quando fui para Guidage, só os comandos é que eram metropolitanos. O resto eram tropas nativas. Já cá na metrópole, desloquei-me de propósito a Viana do Castelo para reencontrar um camarada do mau tempo de Guidage. Mas mal me conhecia, estava mais pirado que eu», diz o guardense.
Passados 48 anos, José Luís Saraiva guarda algumas boas memórias dos anos no Ultramar. «Gostei de estar na Guiné, aquilo é outro mundo. África… nunca lá tinha estado. Diria que se não fosse a guerra, aquilo era um espaço de turismo interessante e essa experiência é leal ao facto de que vim inteiro. Valha-nos isso», ironiza quem tem recordações de tempos conturbados e inesquecíveis no Ultramar.
O 25 de Abril vivido por ex-combatentes do Ultramar
José António Saraiva e José Luís Tavares viveram a Revolução dos Cravos à distância.
Estive também por Angola. De 03JUL72 a 13SET74. Estava por cá em Abril74, de férias. Quando regressei estava em Catete, a 60Km de Luanda, onde ia com frequência. Não me apercebi dessa mortandade, em Luanda, entre as nossas tropas. Interviemos nos incidentes entre brancos e negros, nascidos da pretensa superioridade dos brancos que não se quiseram aperceber da mudança… E por aqui me fico…
Deve ser o único jornal que não publica os comentários…para quê comentar?