Cara a Cara

«Procurei sempre novos desafios, onde pudesse testar os meus limites e a minha capacidade de sofrimento»

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Escrito por Efigénia Marques

P – Como surgiu esta paixão pelo desporto? R – A paixão pelo desporto começou ainda no tempo de escola, com o desporto escolar, mas depois ficou em “stand-by” porque nos finais dos anos 80, início dos anos 90, a viver numa pequena aldeia do interior, não era fácil praticar desporto. Em 2015, desafiada pelos colegas de trabalho, voltei a dar umas corridinhas, entre 5 e 10 quilómetros, e no final desse ano fiz a minha primeira meia-maratona. Desde aí nunca mais parei. No ano seguinte conheci o “Trail” e foi paixão à primeira vista, vi que conseguia desfrutar mais da corrida nos trilhos do que na estrada.

P – O que leva uma mulher a testar os seus limites numa modalidade como o “Trail”? R – Por norma, o ser humano nunca está contente com o que tem ou faz e tenta sempre chegar mais longe. A mim acontece-me o mesmo e procurei sempre novos desafios, onde pudesse testar os limites do meu corpo, da minha capacidade de sofrimento e de resiliência. Nunca foi para mostrar ou provar nada a ninguém, foi sempre por mim, para minha satisfação pessoal, porque, embora sofra bastante nos trilhos, aquela sensação de chegar à meta e ouvir gritar o nosso nome, ver a nossa família e amigos que estão lá quando ganhamos, mas também quando não ganhamos, só isso vale todo o sofrimento e os momentos menos bons.

P – Ser campeã nacional de Trail Ultra Endurance significa o quê? Era uma ambição antiga? R – Significa muito, porque foi “a cereja no topo do bolo”, como costumo dizer, foi a consequência de alguns meses de trabalho. Fez valer a pena todos os sacrifícios que fiz, cada minuto de treino, cada vez que não saí com a família e amigos. Não podia estar mais contente. Há um ano não pensava em fazer mais provas de 100 quilómetros, a recuperação dessas provas é muito complicada, mas fui desafiada por colegas de equipa na ARCD Venda da Luísa, e decidi fazer a prova do Campeonato Nacional de 2022. Até não correu mal para quem tinha treinado um mês e meio, fiz um segundo lugar e foi aí que pensei “no próximo ano vou preparar-me e tentar ganhar isto” e aconteceu, por isso não podia estar mais contente.

P – Quais as maiores dificuldades que um atleta de “Trail” enfrenta? R – Várias, muitas mesmo. Durante as provas apanhamos temperaturas extremas, podemos correr com 40ºC, com -5ºC, com chuva, neve, trovoada, relâmpagos a caírem-nos ao lado, chega a ser assustador. Depois há aquelas dificuldades que todos os atletas amadores sentem, a falta de apoio financeiro. A minha equipa, a ARCD Venda da Luísa, ajuda-me com o que pode, mas não chega nem para um quarto das despesas e o resto tem que sair do meu orçamento familiar. Por sorte, tenho alguns amigos empresários, a quem tenho que agradecer, que me vão ajudando, seja com uns ténis, com a inscrição numa prova ou um impermeável. Mas pode ser que as coisas comecem a mudar e vejam que o desporto não é só o futebol.

P – Como é conciliar a vida profissional, pessoal e desportiva? R – Não é fácil conciliar isso tudo. Trabalho das 9 às 17h30, sou militar da Guarda Nacional Republicana e a componente física é essencial no nosso trabalho, por isso são cedidas duas horas por semana para treinarmos, o que para mim não chega. Eu precisava de, pelo menos, duas horas todos os dias, mas sei que isso não é possível, pelo que aproveito para treinar na hora de almoço ou logo de manhã bem cedo e assim “tirar” o menor tempo possível à vida familiar. Tenho a sorte que, em casa, todos (marido e filha) me apoiam e nunca me cobraram as minhas horas de ausências. Em dias de prova, eles acompanham-me sempre, levantam-se cedo comigo, passam frio, apanham chuva, sol e dão-me todo o apoio psicológico e logístico que preciso durante a prova. Reconheço que sem o apoio deles era tudo muito mais difícil.

Vera Bernardo Campeã nacional de Trail Ultra Endurance em 2023

Idade: 40 anos Naturalidade: Alverca da Beira (Pinhel) Residência: Coimbra Profissão: Militar da Guarda Nacional Republicana Currículo:Atleta da equipa Associação Recreativa Cultural e Desportiva da Venda da Luísa; Campeã distrital de Coimbra de Trail curto e longo em 2017; Campeã distrital de Coimbra de Trail curto, vice-campeã distrital de Trail longo, vencedora do Prémio de Atleta Feminina (atribuído pelo Município de Condeixa) em 2018; Segunda classificada no Circuito Nacional (ATRP) de Trail Ultra e terceira no Circuito Nacional de Trail Ultra Endurance em 2019; Vice-campeã nacional de Trail Ultra Endurance e vencedora da Taça de Portugal de Trail em 2022; e campeã nacional de Trail Ultra Endurance em 2023. Livro preferido: “No teu olhar”, de Nicholas Sparks Filme preferido: “A culpa é das Estrelas”, de Josh Boone Hobbies: “Crossfit”, motas, BTT, séries.

Sobre o autor

Efigénia Marques

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