P – O grupo de voluntários Guardiões da Serra da Estrela é oficialmente uma associação. O que representa este reconhecimento para o grupo?
R – Mais do que um reconhecimento, é um caminho. É o passo que faltava para garantir um mais fácil reconhecimento institucional e permitir desenvolver de forma mais estruturada e eficiente as ações e projetos que temos “na calha”. São iniciativas autónomas propostas pelos sócios para as quais era necessário uma personalidade jurídica e essa foi uma das principais razões para a constituição da associação. Por outro lado, a intenção de concertação de iniciativas entre as diferentes entidades com atuação nesta área foi desde início um dos nossos principais objetivos, o que reforçou a necessidade de formalização. Este caminho representa o passo da maturidade. Se há dois anos desejávamos pouco mais do que ser uma voz presente e ativa, hoje ambicionamos o reconhecimento que servirá de base a uma ação concertada e interventiva nos problemas que a Serra enfrenta.
P – Como surgiu o grupo? Qual a motivação inicial dos voluntários?
R – O grupo surge como um grito de revolta. No verão de 2017, ao ver o que acontecia um pouco por todo o país e cansados da não gestão do nosso Parque Natural, convencemo-nos que era tempo de agir. Era tempo de alguém exigir que a Serra fosse vista como um património a proteger e não apenas a “explorar”, de exigir uma estratégia concertada que pense no que a Serra foi, é e pode vir a ser, no que representa para o país, mas sobretudo no que representa para as populações que dela dependem. Que intervenha ativamente na sua conservação, mas que se preocupe com a sustentabilidade dessa mesma conservação. Como afirmamos no nosso manifesto, acreditamos que «só com a demonstração de valor através da formação, com a democratização da informação técnica e regulamentar, com o envolvimento da componente produtiva que no patamar basal da Estrela tanta importância assume, e com a sensibilização de todos, poderemos voltar a ter uma comunidade ativa na conservação e preservação dos valores naturais que a rodeiam e que exija dos governantes uma visão e ação estruturada na sua conservação e na procura de novos modelos de sustentabilidade económica adequados à atual realidade populacional».
P – De acordo com o vosso site, têm como objetivo «contribuir para a conservação dos valores naturais da Serra da Estrela». De que forma planeiam fazê-lo?
R – O primeiro passo para o conseguir é voltar a criar ligações afetivas entre as comunidades locais e os valores naturais, traduzindo em questões concretas na vida das pessoas os problemas da conservação do património natural. É por isso que desde a nossa constituição como movimento cívico, há dois anos, temos apostado na educação ambiental e no envolvimento das pessoas em ações concretas e palpáveis, em “pôr as mãos na terra” porque acreditamos na intervenção direta em prol da Estrela e em informar e sensibilizar cidadãos e instituições. As horas de trabalho voluntário são para nós o valor maior e têm de ser utilizadas para atingir resultados efetivos, duráveis e visíveis, pois só assim conseguiremos influenciar e atrair quem tem o “poder” de tomar decisões. Mas a intervenção desta Associação não se esgota aqui, tendo já contribuído de forma efetiva com ações como o dia de voluntariado mensal pela Mata Nacional da Covilhã, o Fórum Ambiente, entre outras.
P – Qual o impacto que a associação Guardiões da Serra da Estrela pode ter na região?
R – Com uma estratégia de concertação e envolvimento, esperamos que a nossa associação possa constituir-se, através da sua ação, como a prova de que o Parque Natural e a sua regulamentação não precisam de ser antagónicos com o usufruto. Antes pelo contrário, o usufruto bem regulamentado pode ser um dos maiores suportes à conservação de um património do qual o homem faz parte há milénios. Por outro lado, acreditamos que só com ações concertadas com as diferentes associações com preocupações na conservação da Serra da Estrela poderemos ter o impacto que precisamos. A prova disso é a comunicação referente à exploração de lítio na envolvente do PNSE que escrevemos em conjunto com o Movimento por uma Estrela Viva e com a Associação Geopark Estrela. A nossa função está cumprida se conseguirmos que 10% da população que vive em redor da Estrela tenha uma visão clara e objetiva sobre a real necessidade de conservação dos valores endógenos do PNSE.
P – Quais os maiores desafios da associação?
R – Temos sido recebidos e ouvidos pelas instituições que gerem ou influem nesta área protegida, pelo que o grande desafio que acreditamos existir, e para o qual queremos contribuir, é conseguir que uma população, que depois de milénios a viver em harmonia com a montanha lhe virou as costas à procura de vidas melhores (acreditavam na altura) nas metrópoles modernas, passe de vez a encará-la de frente assumindo-a como o seu maior valor comum. Para tal, precisamos que a comunidade nos reconheça valor e encontre em nós a plataforma que necessita para estruturar a sua intervenção. Ou seja, o grande desafio vai estar em conquistar a confiança e atrair novos associados.
Perfil de Manuel Neves Franco:
Presidente da direção da associação Guardiões da Serra da Estrela
Naturalidade: S. Sebastião da Pedreira (Lisboa)
Idade: 38 anos
Profissão: Consultor de turismo de Natureza
Currículo: Após ter optado por viver junto à Estrela, foi guia e técnico de animação turística; Atualmente desenvolve produtos e estruturas de Turismo de Natureza como redes de percursos, centros de BTT, entre outros, numa das principais empresas do setor em Portugal.
Filme preferido: “Clube dos Poetas Mortos”
Livro preferido: “1984” e “Mito de Sisifos”
Hobbies: Estar no meio da Natureza, quer seja em simples contemplação, atividade desportiva ou observação de espécies.