P – Conte-nos como começou esta dedicação à música clássica e ao canto, em particular, e a decisão de ir estudar para os Países Baixos?
R – Os meus estudos de música começaram bastante cedo, aos 4 anos, no Conservatório de Música de São José da Guarda. Comecei pela guitarra clássica, estudei durante onze anos até ao fim do 9º ano, portanto, até aos 15 anos. Depois fui para Albergaria-a-Velha fazer o secundário, porque há lá uma escola profissional e eu gostava muito da professora de canto. No final do secundário concorri a várias universidades portuguesas, mas acabei por entrar em Haia. Fui estudar para lá sem bolsa, foi seguir a minha paixão.
P – Como foi a adaptação a uma cidade como Haia, com um idioma e vida diferentes, mas também uma sensibilidade para o mundo das artes e da cultura tão diferente da nossa?
R – Diria que a adaptação inicial, aquilo que me custou mais, foram as saudades da família, porque sou muito ligada à minha família – é uma das razões que me leva a adorar mais a Guarda. Nos Países Baixos, ser da Guarda ajudou-me imenso por causa do clima, porque são bastante frios, mas como já trazia o hábito dos nossos invernos rigorosos então isso não me custou assim tanto. Quanto à adaptação em si, tenho muitos colegas portugueses na universidade e acho que isso nos ajuda muito a todos. Sentimo-nos muito mais em casa por isso. Mas há outra coisa que me faz muita falta em Haia: é a comida portuguesa, porque nada se lhe compara e cada vez vejo mais isso. Na verdade, foi e é muito bom estar numa cidade com tanto desenvolvimento para a música clássica e para as artes. Ali tenho oportunidade não só de atuar e cantar, mas muito mais de ouvir, de receber e de explorar outras artes e artistas.
P – Em Haia, estuda e sonha dedicar-se ao canto profissionalmente. Como portuguesa, como se vê a concretizar essa ambição?
R – Uma coisa de que tenho muita pena, enquanto cantora, é ter sempre aquele sentimento de que, em Portugal, infelizmente, será muito difícil realizar esse tipo de sonho. Obviamente que adoraria trabalhar no meu país e estar cá a tempo inteiro, mas, por outro lado, sei que me traz oportunidade levar a música clássica e a cultura portuguesas a outros sítios. Acabo a licenciatura daqui a dois anos e gostaria imenso de começar a trabalhar no mundo da ópera e da música clássica, no geral, então acho que é também uma boa oportunidade para Portugal se mostrar lá fora e mostrar o que fazemos aqui.
P – Mas é preciso ser corajosa para pensar que pode ter uma vida profissional no canto, na ópera.
R – Sei que é, sem dúvida, muita ambição e, infelizmente, somos poucos os que a conseguimos concretizar, mas penso que, com trabalho e aproveitando todas as oportunidades, vou conseguir. Um músico clássico tem mesmo que fazer isso, agarrar tudo o que pode e dizer sim a tudo, pelo menos no início, porque não estamos mesmo em posição de dizer que não ou deitar oportunidades fora, pois somos muitos para pouco trabalho.
P – Acha que alguma coisa mudou entretanto em Portugal no que concerne a haver mais público, mais pessoas interessadas em espetáculos de música clássica?
R – Sim, porque começa a haver muito mais estudantes de música clássica – e só por aí passa a haver muito mais procura –, mas também porque Portugal tem-se aberto cada vez mais à música clássica com o Prémio Jovens Músicos, com vários projetos a acontecer nas maiores cidades, com a Casa da Música. Acho que começa a mostrar ao público o que há para além da música popular e do que estamos mais habituados a ouvir.
P – Como é viver numa cidade moderna, cosmopolita, que é a capital política dos Países Baixos e acolhe várias instituições internacionais, desde logo o Tribunal Penal Internacional?
R – Enquanto estudante e jovem só me traz boas oportunidades, principalmente para me desenvolver enquanto pessoa e não só como músico. Estou no centro do mundo da cultura musical e sinto que toda a envolvência de museus que há, o facto dos Países Baixos e Haia terem uma cultura diversa, sinto que me trazem muito mais oportunidades de conhecer o que há lá fora, de receber outras influências e de formar também os meus valores e opiniões.
P – A peça “Youkali” é uma das suas preferidas. Porquê?
R – Tenho muita história com esta peça. O meu pai sempre me educou muito com música clássica desde que eu era pequena e “Youkali” foi uma das primeiras peças que me mostrou. Cheguei a cantá-la ainda antes da faculdade, no 11º ano, só que é uma peça ainda bastante puxada quer no tema, quer em termos técnicos, e no meu segundo ano de licenciatura, que terminou agora, o meu professor desafiou-me a interpretá-la. É uma peça que nos fala, basicamente, de uma ilha, Youkali, onde estão todos os prazeres que o ser humano procura, mas, no final, é só uma ilusão, não existe na realidade. Enquanto peça, e o peso que o texto transmite, é muito, muito, bonita e sem dúvida que me toca quando a interpreto.
P – Já disse que tem saudades da família. É de quem sente mais falta quando está em Haia?
R – Sim, muita. Sempre fui ligada à minha família e sem o seu apoio não seria possível estar onde estou, obviamente. Desde logo em termos financeiros, mas sobretudo do ponto de vista emocional e de apoio.
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BRUNA PEREIRA
Estudante de Música Clássica, variante Canto, no Conservatório Real de Haia (Países Baixos)
Idade: 20 anos
Naturalidade: Guarda
Profissão: Estudante
Currículo (resumido): Começou a estudar guitarra clássica aos 4 anos no Conservatório de Música de S. José da Guarda; Concluiu ensino secundário em escola profissional de Albergaria-a-Velha; Ingressou depois na Universidade de Haia, para estudar canto, onde se encontra atualmente após concluir o segundo ano
Livro preferido: “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez
Filme preferido: “Hereditário”
Hobbies: Dança e escrita
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