P –O movimento “Saúde Não se aGuarda” organizou, em 2021, uma vigília em defesa do Hospital Sousa Martins. Dois anos depois, voltou novamente à rua com um cordão humano. Pode-se dizer que a saúde piorou na Guarda?
R – O estado da saúde no país piorou e, na Guarda, podemos dizer que está à beira da rotura. Em 2021, quando fizemos a nossa primeira ação, tivemos o cuidado para alertar para o perigo iminente do fecho de valências no Hospital Sousa Martins (HSM) caso não fossem tomadas medidas robustas nesse sentido. Essas especialidades médicas que estão atualmente em situação de grande carência estão a ser acolhidas noutros hospitais (Covilhã, Viseu e CHUC).
P – Em concreto, o que mudou desde então?
R – Ficamos pior. Se mal estávamos em 2021, agora estamos com situações de permanentes constrangimentos no acesso aos cuidados de saúde com o fecho de Urgências quase todas as semanas, faltas de consultas de especialidade que, em muitos casos, levam meses e anos a serem conseguidas. Temos falta de médicos de especialidades no HSM e desde 2021 (se calhar até antes) que não se conhecem quaisquer medidas que tenham sido tomadas para reverter essa situação. Quem perde são as populações!
P – Temos um hospital modernizado, com a construção do novo bloco, mas temos piores cuidados de saúde, a falta de médicos persiste e agrava-se… De quem é a culpa?
R – A resposta não é fácil, mas podemos apontar algumas causas para se ter chegado até aqui. A primeira é, sem dúvida, a falta de médicos que saiam das universidades. É importante acabar com as limitações cerradas no acesso à profissão e a Ordem dos Médicos tem de olhar para esta questão de uma forma mais aberta e humanista. Precisamos de mais profissionais! A segunda tem a ver com a política de gestão das ULS e com o seu poder reivindicativo perante o poder central. A terceira passaria por uma reformulação na abordagem à própria profissão. Estamos certos que, no âmbito das negociações que estão a decorrer entre os médicos e a tutela, há pontos que têm de ser debatidos, mas temo que com a instabilidade política que temos a resolução não esteja para breve. Outro problema é o excesso de horas extraordinárias além das permitidas por lei que estes profissionais praticam. Para além de ficarem muito caras ao erário público, como é que a ACT olha para esta problemática? Estarão eles dispensados do limite que a lei impõe ao trabalho suplementar só por serem médicos? Se os médicos se recusam a fazer horas extras e não tendo os hospitais alternativas humanas que os substituam, como é que ficam as pessoas que precisam de recorrer ao Hospital Sousa Martins?
P – Também considera que é preciso reformular o SNS?
R – Sem dúvida nenhuma! É preciso ter pessoas que olhem para o SNS com sentido de gestão sem esquecer a componente humana. O SNS é para as pessoas e ainda mais para aquelas que não têm outra forma de recurso no acesso a cuidados de saúde.
P – Ficou satisfeita com a adesão dos guardenses ao cordão humano do último domingo, ou esperava mais pessoas?
R – Do total de utentes abrangidos pelo HSM que atualmente rondam as 142 mil pessoas (em 2021 superavam os 150.000 utentes), compareceram à chamada mais de 300 pessoas. Mas podemos dizer que estamos satisfeitas, até porque a ação teve uma divulgação inferior a uma semana.
P – Vêm aí eleições legislativas e a saúde continua na ordem do dia. Que mensagem quer deixar aos candidatos pelo círculo da Guarda?
R – Não é de agora, mas a saúde sempre esteve na agenda política dos candidatos e ainda mais em época de eleições. Nada de novo! Precisamos que a saúde seja encarada com seriedade e que coloquem os interesses das populações acima os votos que podem ter. A Guarda, enquanto capital distrito, não tem o peso político de outros tempos e isso vê-se nas obras (ou na falta delas) que temos. Não somos o interior que outros querem fazer crer, deserto, sem massa critica ou lá o que lhe queiram chamar. Aqui há pessoas que votam e que têm tanto sentido crítico como as que andam por Lisboa, onde há alternativas no acesso aos cuidados de saúde. Aqui não há alternativas e é isso que tem de ser dito! E não me digam que demoro uma hora a chegar à Covilhã ou duas horas a chegar a Coimbra ou a Viseu, porque as coisas não são assim! O acesso a cuidados de saúde em tempo útil é um direito que não pode ser negado a nenhum cidadão e é para isso e por isso que nos batemos. O HSM tem uma importante área de influência geográfica, que não pode ser sonegada às populações. Temos que ter médicos especialistas, enfermeiros, tarefeiros, VMER, sempre em condições para responder às populações.
Perfil:
Sílvia Massano
Movimento cívico “Saúde Não se aGuarda”
Profissão: Contabilista Certificada/ consultora de empresas
Idade: 49 anos
Naturalidade: Manteigas
Currículo (resumido): Consultora fiscal, contabilística e de apoio à gestão
Livro preferido: Vários, mas posso referir “Tens um Ferrari na garagem”, de Mónica Vicente
Filme preferido: “Oppenheimer”, de Christopher Nolan
Hobbies: Ler, caminhar e também não fazer absolutamente nada!