No próximo domingo há eleições europeias. Servem para eleger 24 deputados que se vão juntar a mais outros setecentos para legislar sobre a largura máxima das alheiras de Mirandela, o peso obrigatório das pilhas alcalinas e o destino das fezes de porco das fábricas junto ao Liz. Os deputados portugueses aproveitam o tempo para escrever biografias de líderes comunistas, traduzir poesia e escrever prefácios a livros de Chomsky e Ramonet. Apesar das conhecidas diferenças ideológicas, espero que Odete Santos seja eleita e leve para Bruxelas e Estrasburgo o melhor da nossa tradição revisteira. E não estou a falar da manifestada nos palcos.
No domingo passado celebrou-se o 60º aniversário do desembarque na Normandia e vi publicada uma sondagem que revelava que os franceses não acham dever nenhuma gratidão aos americanos pelo terrível despejo dos militares alemães que permaneciam em território francês. Eu percebo. E explico. Os americanos vieram apenas atrasar aquilo que era inevitável e aconteceria anos mais tarde. Uma união da França e da Alemanha. Hitler acabaria por morrer, mas a França e a Alemanha ficariam juntinhas e amiguinhas. Os americanos e os ingleses provocaram a destruição de grande parte do norte da França, quer pelos seus ataques quer pelos contra-ataques a que obrigaram as tropas alemãs. Os franceses não são ingratos. São é um povo que não quer chatices. E se os alemães já lá estavam instalados sem chatear ninguém, quem é que os americanos julgavam que eram para expulsar os vizinhos dos outros? É sabido que não é à toa que as ruas de Paris são profusamente arborizadas. Foi assim pensado de propósito para os alemães desfilarem à sombra.
A Europa não deve nada aos EUA. Nada. Nem os milhões de emigrantes que daqui saíram para começar uma vida nova do outro lado do Atlântico nem as centenas de milhar de soldados americanos que morreram no Velho Continente para defender um património comum. Isso não foi propriamente precisar da América. Era só por ser o continente vazio que estava mais perto. Foi “contingencial”. Os Estados Unidos, diz-nos o senso comum, só trouxeram ao mundo duas coisas: as guerras e os hippies. Ainda assim, eu prefiro o belicismo.
Assim, a Europa, muito mais democrática que os EUA, junta-se este fim-de-semana para celebrar umas eleições para um parlamento que ninguém conhece, com decisões que ninguém escrutina, com poderes que ninguém percebe e onde os partidos se juntam em grupos políticos continentais que ninguém escolheu. A Europa é, obviamente, muito mais democrática que a América.
Morreu Ronald Reagan. A Europa também não lhe deve o fim da Guerra Fria nem a queda do Muro de Berlim. Ou então pensa que a culpa foi dele e não lhe perdoa. Pelos comentários que li, parece-me mais provável a segunda.
EU VI UM ORNITORRINCO
O insulto político
Ressuscita na Assembleia da República e em comícios partidários. É figura de proa em documentários televisos. Aparece em outdoors do Bloco de Esquerda. Surge na boca de uns e outros sem avisar. É uma espécie particular de ornitorrinco que se aloja no cérebro dos pacientes e os ataca quando menos esperam. É ideologicamente transversal, embora a imprensa tenda a ver apenas a raça que afecta o hemisfério direito. “Mentiroso”, “cobarde”, “deficiente”, “careca”, “fascista” e “político” (este último proferido por Manuel Monteiro) foram os sintomas das últimas ornitorrinquices desta campanha. Alegre, pois então.
Por: Nuno Amaral Jerónimo