Há muito que passaram pela idade normalmente considerada para aprender. Mas na primária de Terlamonte, que vai encerrar no próximo ano lectivo por falta de alunos, 16 adultos, com idades compreendidas entre os 61 e os 79 anos, regressaram à escola desde o 12 de Outubro. São mais do que suficientes para encherem, quatro tardes por semana, a única sala da escola, ocupada durante a manhã por apenas quatro crianças.
Curiosamente, as primeiras aulas do ensino recorrente para o primeiro ciclo são dedicadas a gestos tão simples como aprender a pegar num lápis. Isto, porque «a maioria dos alunos nunca o fizeram antes», explica o professor de serviço, Vítor Fernandes. E acrescenta que este tipo de formação não pretende apenas ensinar a ler ou a escrever, pois «muitas destas pessoas nunca o conseguirão», reconhece. Na sua maioria são mulheres reformadas e, na altura devida, por questões que se prendem com o contexto da época, não tiveram a possibilidade de se sentar nos bancos da escola. É o caso de Maria José Martins, cujo principal objectivo é conseguir ler e escrever uma carta. «Não que queira escrever a alguém em particular, mas é um sonho que sempre tive», admite. Já lê bem, mas a coisa complica-se quando o assunto é escrever. Contudo, acredita que o problema estará resolvido não tarda nada. «Daqui a algum tempo já vou começar a fazer ditados», afirma. Já Amélia Esteves, de 76 anos, aspira simplesmente a aprender a escrever o próprio nome. «É complicado ir ao banco para levantar dinheiro e ter de pôr o dedo», desabafa.
Segundo o professor, estes alunos são «mais assíduos ou pontuais do que os outros» e as aulas servem de espaço de partilha de experiências. «Aqui fala-se de tudo», refere. A última aula, antes da visita de “O Interior” à escola, foi dedicada à evolução do papel da mulher na sociedade e a anterior foi subordinada ao tema do perigo dos aquecimentos em casa. O que significa ser cidadão e pessoa também fazem parte do currículo, que abrange unicamente três disciplinas: Português, Matemática e Mundo Actual. Para além de tentar combater o analfabetismo, pretende-se ainda proporcionar novas vivências a estes alunos. «Vamos ao teatro, fazemos convívios, organizamos colóquios sobre segurança e temos planos para visitar alguns pontos de referência nacionais», adianta Vítor Fernandes. Nalguns casos, e quando os objectivos de aprendizagem são alcançados «de forma notável», o aluno tem a possibilidade de obter um diploma de certificação do quarto ano, mas o professor garante que estas são «situações esporádicas».
Menos raras são as idas ao Registo Civil para alterar a designação de “não sabe assinar” no Bilhete de Identidade. No total, há 16 escolas do concelho da Covilhã neste programa de alfabetização e uma outra em Belmonte (Monte do Bispo). 273 alunos estão inscritos, distribuídos por 17 turmas e sete professores, colocados pelo Ministério da Educação e pagos pelos respectivos agrupamentos. «Portugal é o país com mais analfabetos», garante José Carlos Fernandes, da delegação da Covilhã da Direcção Regional de Educação do Centro (DREC). Também por isso, pretende-se «combater e iliteracia, criar métodos de trabalho, educar para a cidadania e trazer motivação para a vida destes adultos», explica, acrescentando que a maioria aspira a uma tarefa que, aos olhos de quem sabe ler, parece demasiado simples: Identificar o nome dos médicos nas portas.
Rosa Ramos