Arquivo

Visto do Céu, de Alice Sebold

Ler para Querer

Violação e morte – já chega de tragédias! Mas o recém traduzido VISTO DO CÉU, primeiro livro de ficção da americana Alice Sebold, consegue tratar do assunto de uma maneira surpreendentemente atractiva. As imagens descritas e o mundo por elas criado simplesmente funcionam, fazendo deste livro uma obra imensamente artística.

O fio da história traça as emoções e vivências de uma família que lida com a violação e morte da sua filha e irmã de 14 anos. Mas a originalidade começa pela narradora, Susie Salmon, que observa e explica do seu lugar no céu através de um curioso ponto de vista de primeira-pessoa omnisciente, que lhe é possibilitado pelo facto de estar lá “em cima”. Tendo sido escrito na perspectiva da vítima, proporciona uma oportunidade de contemplar e aprender desta visão única, não só do nosso mundo, mas também de como poderia ser o mundo no céu. Aliás, o livro desafia as visões Dantescas da alma pós-vida: o céu de Susie, o seu próprio, é um mundo que muda com o tempo, recheando-se com o que ela mais gost(av)a da vida na terra, muito embora seja um pré do “verdadeiro” céu, no qual só poderá entrar quando tiver cortado os laços que a prendem à sua vida terrestre.

Ela passa grande parte do seu tempo a observar a sua família e amigos enquanto lidam com a sua morte – depressões, casos, sexo, abandono, vale tudo. As personagens vivas, em suma, crescem e vivem as suas vidas, possibilidade essa que à Susie foi tirada. Além das aventuras da sua família (irmãos e pais), observa também os altos e baixos (às vezes mesmo muito cómicos) intrínsecos à adolescência. Há ainda uma investigação em curso para descobrir o seu assassino, revelado logo no primeiro capítulo ao leitor.

Pode ser precisamente a convivência, nas páginas deste livro, dos horrores com os mais refrescantes reparos acerca da vida que demonstra a excepcional capacidade criativa desta visão optimista que não esconde os pormenores da tragédia da morte em plena juventude. Curioso e não irrelevante é que a autora, ela própria, sobreviveu a uma violação que é o tema do seu memoir intitulado LUCKY (SORTUDA), escrita na mesma altura.

Fica o aviso: para quem gostar de resoluções patentes, o livro pode não satisfazer; outros, no entanto, encontrarão sensibilidade e arte na criação de um mundo que só podemos imaginar, essa exploração inteligente do espaço entre o céu e a terra.

Por: María del Carmen Arau Ribeiro

Sobre o autor

Leave a Reply