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Visita encenada pela história da Guarda

Culturguarda promove teatralização histórica para animar o centro histórico até Setembro

O ponto de encontro é ali, frente aos antigos Paços de Concelho, na “muy nobre” Praça Velha, e, na passada quinta-feira, começaram as visitas encenadas ao centro histórico da Guarda, uma produção da Culturguarda e da autarquia, porque, «na Guarda, há muito para ver e ainda mais para descobrir». O guia é Álvaro Gil Cabral, personagem ilustre da história da cidade e seu alcaide no final do século XIV.

«Vinde senhores, vinde!», apregoa Álvaro Gil Cabral, que se apresenta como o «alcaide da Guarda, pois assim o quis el rei D. Fernando» e tem pressa em dar passos aos “Passos à Volta da Memória”. E todos o seguem, engalanado no seu traje medieval, passada larga e apressada que há muito para mostrar, pois «muitos séculos passaram por mim e eu por eles». Pára abruptamente. Está em frente à casa onde viveu Augusto Gil que homenageia declamando a “Melodia Sentimental”: «Num andamento/ Discreto, lento. / Mal se ouve o pêndulo lavrado e antigo…».

Os passos seguintes são dados na «rua principal da cidade», a Rua Direita, que «ia da Porta Nova ao Torreão, do Mercado de S. Vicente ao Convento de Santa Clara, da Sé às oficinas dos artesãos, da minha Alcáçova, lá em cima, ao Paço do Bispo. Todas as épocas estão aqui representadas…». Segue pela Rua Rui de Pina até à Porta da Erva onde, enlutado, apresenta o cronista. A Tasca do Benfica não passa despercebida – «entrai, entrai!» -, até porque o Alcaide precisa de ganhar ânimos com uma ginjinha… segue depois para o Passo do Biu, o largo que “albergou” o solar dos Condes da Guarda de que, nas palavras gulosas do alcaide, «só resta uma receita de bacalhau».

A residência que abrigou a Ribeirinha (porque «ninguém está a salvo das chamas amorosas!») vem depois de uma rápida incursão pela “Casa das Chaves Bandarra” para o Alcaide mostrar «o granito, a porta e as marcas judaicas». «És tu Sancho?», gritam do terraço superior, é ela, a própria, a amante de D. Sancho, que ali está, qual pinga amores, desesperada à procura do seu amado. Álvaro Gil Cabral foge. Não quer nada com a Ribeirinha «não vá a minha Maria ficar a saber» e refugia-se na Igreja de S. Vicente onde convida os visitantes a apreciarem os painéis de azulejos com imagens da vida de Cristo e a talha que embelezam paredes e tectos de tão sublimado local de culto. Ao lado da Igreja, «neste redondel funcionou o mercado da cidade», vai explicando o ilustre guia enquanto se dirige para outro lugar de «romaria e, às vezes, de distúrbios», o Poço do Gado, que até aos anos 50 «foi durante muito tempo o prostíbulo da Guarda».

O cu virado para Espanha

A Rua da Trindade é o último passo antes de entrar na Judiaria. «Aqui se agitou, durante muito tempo, a actividade mais fervilhante do burgo», enaltece Gil Cabral enquanto convida os companheiros de visita a imaginar, «neste labirinto de casa, os pregoeiros de carvão, da torga e da carqueja para as braseiras, acendidas na rua, os estudantes a farnel, grupos de militares em busca de certo bairro, as oficinas de latoeiros, albardeiros, tecelões, um ou outro clérigo a passar…» e a vida, a vida intensa desta rua.

Segue-se a Rua do Amparo, o coração da Judiaria, com as suas casas características e o antigo Tribunal dos judeus e o Portão da Judiaria, a porta d’El Rei, a muralha, a Rua de S. Vicente, onde o Alcaide exclama: «Reparai na presença do granito!», sempre presente na paisagem agreste, «nas casas, nos muros, na calçada, a matéria que domina o cenário das ruas da Guarda!». De regresso à Rua Direita, o guia olha para a “janela manuelina” e convida a apreciar a «elegância» de tão «soberba janela» sita naquele que foi outrora o Paço Episcopal.

A passos largos, que os “Passos à Volta da Memória” são longos, chega-se à rua do Comércio, a «via que une várias épocas na cidade» e onde o Alcaide recorda o “Bazar do Povo” e o “Café Cristal”. Na Torre dos Ferreiros, «que tinha três portas, fechando a do meio pelo sistema de guilhotina», e foi «o único baluarte defensivo da muralha que sobreviveu», Gil Cabral convida os passeantes a acenderem uma vela: «Os cavalos inimigos tombavam quando passavam a porta. Ai, como eu me divertia! Aqui tombavam todos!», explica. Seguiu pela Rua da Torre, levando atrás o seu pajem, para o último passo, junto à Sé, onde apreciou as Gárgulas da Catedral e «o cu virado para Espanha».

Mas antes, por todo o percurso, há muito mais para ver e ouvir de tão ilustre guia. As histórias são muitas, e muitas outras poderia haver, que não cabem numa simples súmula de muitos passos pela memória de oitocentos anos, retratados, com pitadas de humor, informação histórica e muita animação. O melhor é mesmo ir lá. Os da Guarda e os de fora. Durante o Verão. Ao fim-de-semana.

Mais “Passos à Volta da Memória”

A encenação é de Antónia Terrinha e o texto de António Godinho – que nos conta a história do próprio Alcaide e, através dela, algumas histórias da cidade. O guia é Álvaro Gil Cabral (interpretado por João Ventura), que foi Alcaide da Guarda no século XIV. A ideia é da Culturguarda que, desta forma teatralizada, pretende dinamizar o centro histórico durante o Verão. A iniciativa foi candidatada a fundos comunitários, no âmbito das “Políticas de Cidade – Parcerias para a Regeneração Urbana”.

Américo Rodrigues, director do TMG, releva o facto de esta ser «a primeira vez que há visitas guiadas à cidade», o que considera uma boa iniciativa, pois o centro histórico é «um tesouro que urge valorizar de forma decisiva». Também Elsa Fernandes, vereadora da Câmara da Guarda, realça a aposta «interessante e integrada» na regeneração urbana, contribuindo para a «revitalização» de S. Vicente. A vereadora acrescenta ainda que serve para «levar pessoas» à cidadela «e serve tanto para o visitante, como também para quem vive na Guarda e assim pode descobrir coisas» que não conhece. Já o autor do texto, António Godinho, destaca que a iniciativa é «um espectáculo de rua» que, sem deixar de ser tratado «com rigor histórico», tem uma dimensão lúdica e de animação.

Os “Passos à Volta da Memória” vão repetir-se todas as sextas e sábados, às 10 e 17 horas, em Agosto e Setembro. O ponto de encontro é sempre em frente aos antigos Paços de Concelho, na Praça Velha.

Luis Baptista-Martins Álvaro Gil Cabral é o ilustre guia desta iniciativa

Comentários dos nossos leitores
fernando pereira nnazareno@clix.pt
Comentário:
Que tiraram a virgindade ao Poço do Gado, pois era o gado vacum e cavalar que lá ia beber. …mas se querem esquecer a Libaninha, acabam com a Verdade da Guarda.
 
Feranando M.R.Ramos Pereira nnazareno@clix.pt
Comentário:
a Libaninha passou a ser uma marca da GUARDA…
 

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