Arquivo

Viagem astral

Observatório de Ornitorrincos

Para esta semana fui desafiado a tratar de assuntos sérios e fulcrais da actualidade, como a morte de João Paulo II, a sua sucessão, a morte assistida (por computador) e a maminha de Catarina (“Pimpinha”) Jardim à mostra no desfile do Portugal Fashion, temas discutidos na imprensa por colunistas sérios e por Miguel Sousa Tavares. Esta semana irei então tratar de descodificar a complexidade axiológica das ditas problemáticas da existência hodierna e de procurar rapidamente um dicionário para entender as minhas próprias palavras. Dizia, no período anterior – período gramatical, não período escolar nem período menstrual, até porque a minha condição masculina me inferioriza e não me permite ter o segundo – que aceitei o repto e tratarei nesta primeira semana do mês de Abril de questões importantes e graves da sociedade contemporânea. E, felizmente para o leitor que chega a esta página para ler sobre cinema, não será aqui no Observatório de Ornitorrincos. Este espaço serve para instruir o público sobre a vida sexual de pássaros com penugem azul durante o equinócio de Primavera e para alertar todos os leitores casados que terminam a leitura de O Interior mal acabam as páginas de desporto para o perigo que representam biquinis amassados no banco de trás do carro da família. Depois não digam que não foram avisados só porque não lêem esta página. Adiante.

Hoje gostaria de expressar publicamente o meu apreço pelo trabalho notável da astróloga Maria Helena, no Horóscopo publicado todas as semanas nas páginas deste semanário. O dia do meu aniversário tem a particularidade de me fazer variar de signo consoante a publicação consultada. Sou Aquário na TV Guia e Peixes n’O Interior. Sendo este o jornal para o qual escrevo, ajo como o Mourinho e é nas pessoas com quem colaboro que acredito. Sou, portanto, agora de forma definitiva e incontestável, Peixes. A carta que me correspondia na pretérita semana era o 5 de Ouros. Significava Perda/Falha, assim mesmo com letra maiúscula. E foi tudo verdade. Primeiro fiquei destroçado com a Perda (cá está) de várias minhocas na Quinta das Celebridades. E não estou a falar das minhocas que os concorrentes cultivam num pedaço de terra, mas das minhocas que eles albergavam na cabeça e que foram extremamente afectadas pela morte cerebral dos seus organismos hospedeiros. Depois aconteceu a Falha (voilà) de luz em minha casa, na tarde de segunda-feira, quando não tinha ainda sequer chegado a meio do filme Devagarinho mas com Jeitinho, título indispensável para a formação intelectual de pessoas que pretendem intervir no espaço público, ou no meu caso, só para ver se me dava o sono. A previsão dos astros aconselhava-me entre outras coisas a “cuidar da minha pele”, a “evitar ser tão rígido comigo mesmo” e a “desfrutar mais da companhia dos meus familiares”. Embora subliminar, percebi que a mensagem me sugeria a abandonar de vez as práticas onanistas, e livrar-me das colecções de filmes caseiros e revistas especializadas em encontros carnais. Após verificar que o número da sorte era o 69, atirei tudo para a lareira e foi junto do calor das labaredas que aguardei todo o fim-de-semana por um telefonema da Jennifer Aniston, entretanto divorciada de Brad Pitt. Só depois dei conta que os números da semana eram o 8, o 12, o 19, o 25, o 33 e o 44. Nessa altura apercebi-me que tinha lido mal as indicações e o que ali estava escrito era simplesmente “não vejas essas borbulhas, não”, “deves ter a mania que és o maior” e “se não jantares com a tua tia, comes mas é sozinho”.

Esta semana, espero que a minha carta seja a Rainha de Copas, personagem maior de Lewis Carroll. Teria assim a certeza de haver uma referência literária no meu contexto astral e poderia desvendar uma minha apoteótica chegada a um qualquer País das Maravilhas. Qualquer encontro com Alice está obviamente proibido por Catalina Pestana e desaconselhado pelo Código Penal. A não ser essa carta, que seja qualquer uma. Com excepção d’A Carta de Manoel de Oliveira, claro.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

Sobre o autor

Leave a Reply