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Vendam Também os Jerónimos

O nosso (da Guarda) secretário de estado da cultura justificou a venda dos quadros de Miró com o argumento de que se a receita não saísse desse venda teria de sair dos orçamentos, por exemplo, da educação ou da saúde. Sabendo-se que os quadros eram do BPN e agora são de todos nós, estando já mais que pagos e a peso de ouro, caberia perguntar que despesa aguarda ansiosamente por esse financiamento e justifica as dramáticas alternativas apresentadas. Não será certamente a retribuição dos acessores da secretaria de estado. Esta, embora escandalosamente elevada, ao menos na relação custo/benefício, equivale a migalhas da receita previsível com a venda dos quadros. Tratar-se-á então de despesa corrente e o tom dramático da argumentação do “nosso” secretário de estado quer dizer, pura e simplesmente, que atingimos um novo patamar da crise: a partir de agora, ordenados e pensões, despesas de funcionamento, pagamento de juros e dívida passam a depender, também, da receita obtida na venda de património. Daí os Jerónimos.

Isso é impossível? Há limites inultrapassáveis? E a Educação? E a Saúde? E digam-me com honestidade onde está a diferença. Quando a receita corrente e o crédito não chegam para pagar as contas, há que começar a vender e isto é o que o cidadão comum tem feito. Por isso havia tantas lojas a vender ouro e agora, que o ouro acabou, há tantas a falir. Do Estado espera-se outra coisa, que não é no fundo proprietário de nada, ou o é apenas em nome desta geração, das passadas e das futuras. Por isso, quando vende algo que pertence a todos tem uma dose maior de responsabilidade que a do casal em apuros que vende as alianças a preço de saldo. Critico por isso a falta de um critério claro sobre o que se pode e não pode vender, a falta de estabelecimento de um ponto inultrapassável. Na sua falta, a avaliação será sempre casuística e dependerá da sensibilidade e cultura de quem estiver no poder – e quanto a isto, estamos conversados.

É verdade que Miró não é português e que vender os seus quadros, chegados sabe-se lá como a Portugal, não é o mesmo que vender o túmulo de Luís de Camões ou o tríptico de São Vicente. Mesmo assim é inquietante a ligeireza com que se passa a vender património cultural a pretexto apenas de arredondar as contas. Ao menos, dirão (mal) alguns, se o gastassem bem…

Ainda quanto ao património do BPN e quanto ao BPN propriamente dito, há que assinalar uma curiosa efeméride: pela primeira vez, desde que me lembro, tivemos a esquerda a exigir o normal funcionamento dos mercados, o qual se traduziria na irrevogável falência do banco, e a direita, incluindo-se nesta o PS, a promover a sua nacionalização. Anda tudo doido.

Por: António Ferreira

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