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«Vencer não tem a ver com licenciaturas, é a paixão e a vontade de querer vencer que tiram os obstáculos da nossa vida»

Entrevista

Davide Pereira é licenciado em Engenharia Química e é hoje o diretor geral da unidade de produção do grupo Menina Design, sediado em Rio Tinto, que esteve nas bocas do mundo ao fornecer mobiliário para o filme “As 50 Sombras de Grey”. Hoje com 34 anos, o jovem natural das Lameiras (Pinhel) partilha nesta entrevista a sua experiência profissional e desafia os jovens do distrito a lutarem pelos seus sonhos. «O sucesso só vem depois do trabalho», garante.

P – Estudou na escola primária das Lameiras e na Secundária de Pinhel, que ensinamentos guarda desses tempos?

R – A formação familiar e escolar que tive com as pessoas do interior são a base de como hoje lidero os projetos em que trabalho e a forma como tomo decisões. Capacidade de trabalho, disciplina e seriedade são valores que estiveram sempre presentes e são o segredo da minha carreira profissional. Não tenho dúvidas que são características comuns a muitos jovens do interior.

P – Era bom aluno? Por que foi para Engenharia Química em Aveiro?

R – Posso dizer que sim. Mas o que destaco foi, desde muito cedo, a vontade de querer deixar uma marca na indústria em Portugal, querer mudar o que eu próprio criticava. Ir à luta, vezes sem conta, e acima de tudo não ter medo de lutar com os melhores. A esta atitude, juntamos a paixão pelo que fazemos e temos um catalisador muito forte para atingir os nossos sonhos. Fui para Engenheira Química porque a Química é a base do tudo o que nos rodeia e escolhi Aveiro porque é considerada uma das melhores universidades da Europa e tem condições de trabalho excecionais.

P – Atualmente, trabalha numa área totalmente diferente da sua formação. Foi uma opção ou o acaso da vida?

R – A Engenharia Química estuda processos químicos e industriais. Atualmente, nas nossas fábricas temos processos químicos cruciais para a colocação de produtos inovadores e diferenciadores no mercado. Continuo a acompanhar todos os novos processos que introduzimos na produção, embora atualmente o meu trabalho esteja mais ligado à gestão. Sou licenciado em Engenharia Química, mas se não tivesse tido a oportunidade de estudar, e de ter uma licenciatura, posso garantir que, hoje, com 34 anos, estaria na mesma posição profissional – e isto é o maior ensinamento que posso passar aos jovens do distrito que estão a ler esta entrevista. Vencer não tem a ver com licenciaturas. A licenciatura é uma ferramenta importante, da qual não podemos abdicar, mas é a paixão e a vontade de querer vencer que tiram os obstáculos da nossa vida. Espero que os jovens do distrito não se agarrem ao facto de terem uma licenciatura para não irem à luta. Vão à luta e mentalizem-se que quem define o vosso caminho profissional são vocês próprios, não permitam que sejam outros a decidir por vós. O sucesso só vem depois do trabalho.

P – “As 50 Sombras de Grey” colocaram a sua empresa nas bocas do mundo. Como surgiu esta oportunidade?

R – O produtor do filme visitou um dos eventos que fazemos anualmente nos Estados Unidos. Gostou das nossas peças e contactou-nos para sermos uma das empresas a fornecer o mobiliário para o apartamento onde o filme seria rodado.

P – Caracterize a sua empresa atualmente? Qual é o seu mercado?

R – O grupo Menina Design, fundado por Amândio Pereira e Ricardo Magalhães em 2008, é formado por marcas de mobiliário, iluminação e por uma unidade industrial de produção, a Preggo. A base da empresa desde a sua origem é o design e todas as marcas são desenhadas e produzidas em Portugal. Neste momento o grupo tem 200 colaboradores, entre designers, jornalistas, markteers, engenheiros, arquitetos e operadores de produção. O grupo cresceu a um ritmo elevado nos últimos quatro anos, temos três fábricas de produção e já está em fase de projeto a quarta unidade que nascerá ainda em 2015. O nosso mercado é completamente global. Exportamos para mais de 80 países, sendo que os nossos principais mercados são a Ásia, o mundo árabe, os Estados Unidos e a Inglaterra.

P – Investir em Pinhel é uma possibilidade?

R – Não tenho dúvidas que irá acontecer. Há ideias muito sólidas, vontade também. Mas o mais importante é ter os parceiros certos, com a mesma cultura de trabalho e rigor e, o mais fundamental, apostar no melhor que a região tem para dar. Como dizia recentemente um orador americano numa conferência sobre a economia do país, «Portugal não deve ter ambições de criar negócios de relógios porque o mercado não compra relógios portugueses, quer comprar relógios suíços». Os investimentos na região têm muito a ver com isso – devemos potenciar o que existe de melhor no distrito. Naturalmente que não serei bem sucedido a construir fábricas de marcenaria e de móveis no distrito da Guarda. Primeiro, porque não existe “know how”, segundo, porque não seríamos competitivos. Mas se quiser investir num negócio de produção de maçã bravo de Esmolfe – produto com um mercado enorme no estrangeiro e com nichos em Portugal – faz sentido que o faça nessa região. Claro que só isto não chega. É preciso saber acrescentar valor ao produto, implementar uma gestão profissional no negócio, entender quem são os nossos clientes alvo, ter uma comunicação direcionada e eficaz e, acima de tudo, criar marcas que valorizem o produto e perceber que a exportação é o único caminho para a solidez de um negócio.

P – Acha que o interior é atrativo para as empresas, em geral? O que falta na sua opinião?

R – Não é o baixo preço do metro quadrado dos terrenos industriais que atrai investimento ou que fixa as empresas. Continuo a ver este tipo de argumentos absurdo para tentar trazer investimentos para o interior. Infelizmente, nos últimos anos perdemos em Pinhel e na Guarda indústria que era crucial para o desenvolvimento económico e social da nossa região. Não conheço profundamente as razões destes encerramentos, mas, à distância, tenho a certeza que nenhum grupo industrial abandona negócios rentáveis e competitivos e sobre isto devíamos refletir todos. Claramente, o futuro passa por conseguirmos fixar os jovens no distrito. Mas só se consegue travar o abandono do interior com forte investimento em projetos estratégicos para a região, que criem riqueza e emprego. Está na altura de parar de culpar a classe política e os sucessivos governos, não se escondam mais atrás deste erro, que tanto mal fez à nossa economia. São os privados e os empresários que têm de mudar o rumo da economia. Está na hora de trazermos os nossos jovens para a gestão das empresas. É preciso que eles modernizem as empresas onde trabalham, agarrarem os negócios de família, profissionalizem a gestão, aprendam línguas novas, pensem os negócios a uma escala maior e que tenham o foco muito grande na internacionalização. Depois vejo regularmente erros básicos, como pequenas empresas a quererem inventar a roda quando ainda nem o básico têm definido no seu negócio. Não devemos esquecer que a empresa mais lucrativa do mundo tem apenas uma receita e um produto – a Coca Cola. O homem mais rico do mundo chama-se Warren Buffet e diz o seguinte: «Temos que fazer as coisas simples, todos os dias de uma forma disciplinada – obtemos resultados extraordinários!». O sucesso nos negócios só tem a ver com isso.

P – Regressa às Lameiras com que frequência? Tem conterrâneos seus a trabalhar na sua empresa? Já o abordaram para lhe pedir trabalho?

R – Regresso às Lameiras com alguma frequência, embora não tanto como gostaria. Sim, temos pessoas de Almeida, Vilar Formoso, Guarda e já tivemos uma designer de Pinhel. Ainda há duas semanas contratámos mais um elemento da cidade da Guarda, um engenheiro mecânico, que será responsável de produção de uma nova fábrica que está em construção. Permitam-me a oportunidade desta entrevista para dizer aos jovens do distrito que este é o momento para se afirmarem e para lutarem. Parem de se queixar e arregacem as mangas, vão às empresas, falem com as pessoas que decidem e mostrem que têm capacidade para ser uma mais-valia para a organização.

Luis Martins

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