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Velhos são os trapos

Editorial

A esperança de vida à nascença dos portugueses passou a ser de 80,62 anos. Ou seja, entre a melhoria da qualidade de vida, os cuidados de saúde ou os maiores e melhores cuidados com a saúde leva a que os portugueses estejam já entre os cidadãos no mundo com maior média de vida. Ou antes, com maior longevidade. E esbateu-se a diferença entre homens e mulheres – os homens também já ultrapassam os 80 anos…

Há 50 anos, viver mais de 50 anos era chegar a velho. Hoje, aos 50 anos ainda se é um “jovem”! Ou «uma carcaça velha, com ar de jovem», como alguns preferem dizer.

Esta mudança extraordinária, que parece pouco relevante por ser uma coisa natural e sobre a qual pouco meditamos, tem mudado toda a organização social, económica e política do país – o que nos obriga a ser ativos durante mais anos e a trabalhar até mais tarde.

Não é por qualquer razão que tanto falamos de economia social e que temos nos equipamentos sociais, para idosos, uma das maiores apostas financeiras do país dos últimos 25 anos. Aliás, e de forma “impecável”, Portugal passou a ser (quase sem se dar por isso) o país que mais e melhor investiu em equipamentos para a terceira-idade. De resto, as IPSS e outros centros de apoio e acolhimento de pessoas com idade ou incapacidade física e motora são hoje o maior empregador nas nossas aldeias e vilas. A “indústria” geriátrica é muito mais do que um serviço, é cada vez mais, mesmo, um lar, um lar onde as pessoas de idade estão bem, são bem tratadas e têm uma velhice com conforto e uma razoável qualidade – e já não o “lar” que antes era estigmatizado e visto como um “depósito” de velhos que eram uma dor de cabeça para as famílias. E se em muitos casos parece que as famílias, as novas gerações, terão aprendido pouco com tudo o que se disse e praticou ao longo de anos sobre o abandono dos mais velhos, a verdade é que o anátema sobre as “casas de repouso” vai dando lugar à ideia de que de facto há um lar onde as pessoas continuam vivas, vivas porque têm ocupações, praticam desporto, têm atividade e companhia, tudo ao contrário do que ocorria antes. Custa muito dinheiro ao país e há instituições que olham para tudo isto como um imenso negócio, mas felizmente há outras que são os verdadeiros lares e a família das pessoas que não podem nem devem ficar sozinhos em casa. E deixam de ser um fardo para as famílias que nas suas vidas vertiginosas não conseguem olhar para os ascendentes com o amor e carinho que merecem.

Há concelhos, como o do Sabugal, cuja capacidade e qualidade de serviços instalados vai poder atrair pessoas, reformados das mais diversas proveniências, para uma velhice de qualidade nos concelhos de origem ou não. Não foi só na cultura e na educação que Portugal deu um enorme salto em frente neste 40 anos de democracia, foi também na forma como passou a tratar os reformados e pensionistas. Ainda haverá muito para fazer e ainda há muitos excluídos da solidariedade social e do apoio institucional, mas a expressão “velhos são os trapos” já não faz parte do léxico dos portugueses porque já não precisamos dessa afirmação de vida ou de sobrevivência – as pessoas vivem mais anos e vivem mais felizes (há 10 ou 15 anos, no jornal, recebíamos convites para os cem anos de alguém, como uma notícia, e lá íamos fazer uma reportagem… hoje recebemos muitos mais, mas já não é notícia, e já não vamos ajudar a apagar as velas…). E se ainda dizemos que «este país não é para velhos» é porque há uma franja de pessoas pobres e excluídas que temos urgentemente de apoiar e a quem o Estado tem de ajudar – não com ajudas particulares ou “bancos alimentares”, mas de forma integrada, institucional e formal: o Estado entregou parte da função social a associações a quem paga milhões, mas não pode continuar a excluir-se das suas obrigações pagando pensões miseráveis ao mais pobres ou permitindo que haja pessoas, pelas mais diversas circunstâncias, fora do sistema da solidariedade social institucional (como se reclamam subsídios para as empresas, majorações fiscais para atividade empresarial, redução do IRC, financiamentos do 2020, apoio comunitário aos empreendedores, etc, pois também devemos exigir ajuda para quem fica de fora do sistema e não consegue sair da pobreza, por um país melhor e mais equilibrado).

Luis Baptista-Martins

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