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«Vamos manter Pinhel como cidade atrativa e que cria impacto com as suas atividades»

Cara a Cara – Rui Ventura, presidente da Câmara de Pinhel

P – Quais são as grandes opções para os próximos quatro anos em Pinhel?

R – Têm a ver com a captação de investimento, na linha do trabalho dos últimos quatro anos, e com isso tentar manter as pessoas em Pinhel e conseguirmos atrair alguns daqueles que saíram com o encerramento da Rohde em 2006, ou outros que sintam atraídos pela cidade. Vamos manter Pinhel como cidade atrativa e que cria impacto através das atividades culturais e desportivas, mas também dos nossos eventos, para que quem cá vive tenha também a possibilidade de ter emprego diferenciador, como é o caso do “cluster” da aeronáutica, onde vamos tentar trazer mais empresas da área.

P – Qual é a meta a atingir na captação de investimentos neste mandato?

R – Essa vai ser a nossa prioridade. Já tenho alguns contactos com empresas que podem vir para Pinhel, mas não quero adiantar números porque estas decisões dependem dos empresários.

P – E há capacidade para acolher mais empresas no parque industrial ou vai ser necessário ampliar o espaço atual ou mesmo criar uma nova área empresarial?

R – É um dos nossos problemas, pois não temos terreno disponível no parque industrial. Os quinze lotes que havia há quatro anos estão ocupados ou em fase de construção, pelo que precisamos adquirir terrenos para a sua ampliação e já fizemos contactos com alguns proprietários. No entanto, alguns dos investimentos que temos em carteira nem serão possíveis na zona industrial dada a sua dimensão. É importante ter uma zona industrial nova, mas a nossa prioridade são as pequenas e médias empresas, embora não descartemos a possibilidade de vinda de grandes empresas.

P – E sobretudo reforçar o “cluster” da aeronáutica?

R – Neste momento temos duas empresas em fase final de instalação, uma delas já tem máquinas instaladas e está quase pronta para começar a laborar no início do ano. Acredito que a outra possa estar a trabalhar lá para o meio de 2018, mas estes dois empresários manifestaram já a intenção de criar uma nova unidade no concelho. É um “cluster” que vamos agarrar porque é diferenciador na região e tem potencial, mas em articulação com o Centro de Emprego e as várias associações para haver mão-de-obra qualificada na área. Estas duas empresas vão criar 70 postos de trabalho – 35 em cada uma – no curto prazo, sendo que atualmente a Fly tem 15 trabalhadores mas acredito que vai empregar mais gente devido ao aumento da produção. Contudo, a nossa preocupação não é tanto o número de postos de trabalho, mas ter empresas estáveis, até porque temos uma má experiência de grandes empresas com o fecho da Rhode.

P – O que mudou para Pinhel estar na rota dos investidores?

R – É o resultado do trabalho no último e nos mandatos anteriores. Estou na Câmara há 16 anos, como vereador e presidente. Em 2001, quando viemos para o executivo com o engenheiro António Ruas, Pinhel tinha um défice muito grande de acessibilidades, de saneamento e arruamentos. Houve um trabalho árduo para colmatar essas lacunas e agora a Câmara já se pode dedicar à procura de investidores e à promoção do concelho porque nenhum empresário vem para aqui se não houver menos impostos, não tivermos condições mínimas na cultura, desporto, qualidade de vida, apoios sociais e educação.

P – A falta de mão-de-obra pode ser um óbice a esses investimentos?

R – É um problema de Pinhel e de toda a região. Mas quando estamos a tratar de um investimento temo-nos articulado muito bem com o Centro de Emprego para ajustar a formação aos projetos empresariais.

P – Já aconteceu um investidor desistir de Pinhel por falta de mão-de-obra?

R – Foi o caso da Randstad, que desistiu de instalar um “call center” por não haver gente suficiente a falar francês. Mas a autarquia não está passiva nesta matéria e para dar resposta aos investimentos no setor da aeronáutica disponibilizamos diariamente, durante três semanas, um autocarro para levar formandos em mecânica ao Centro de Emprego da Covilhã, o único da região com aulas práticas nesta área.

P – No orçamento para 2018, aprovado na quinta-feira, há uma grande aposta na requalificação urbana e na recuperação de património. Que obras espera lançar no próximo ano?

R – Em 2018 vamos iniciar obras de fundos comunitários, como o parque urbano, a escola secundária, a recuperação das muralhas do castelo e da trincheira, o nosso parque municipal. Falamos também da falcoaria que vai ser criada junto às torres do castelo e cuja candidatura já está feita. Vamos tentar evitar ao máximo obras com orçamento próprio para fazermos a gestão financeira do município e prepararmo-nos para a renegociação do Portugal 20-30.

P – Qual vai iniciar mais rapidamente?

R – O parque urbano está adjudicado e os trabalhos vão começar no primeiro trimestre de 2018. A intervenção nas muralhas está em fase de adjudicação e arrancará também nesse período, enquanto a obra da Secundária aguarda o visto do Tribunal de Contas para abrirmos o concurso. Acredito que todas poderão arrancar no início do próximo ano e representam um valor global de cerca de 6 milhões de euros, comparticipados em 85 por cento por fundos comunitários. E essa é a prioridade porque temos de continuar a equilibrar financeiramente a Câmara. Atualmente, a nossa situação é estável e assim queremos continuar, pelo que em 2018 só faremos obras que têm apoios comunitários. Temos mais cinco projetos de saneamento candidatados ao POSEUR, orçados em 2,5 milhões de euros, mas ainda não sabemos se serão aprovados ou não.

P – Anunciou a intenção de construir um autódromo. Faz sentido em Pinhel? Como está o projeto?

R – Isso é um sonho. Estamos a falar num investimento de 8 milhões de euros e que considero ser um potencial para a região. Já temos vários pareceres e uma maquete pronta para apresentar, mas falta percorrer um longo caminho para o concretizar. Não acontecerá no próximo ano e muito dificilmente será neste mandato porque é preciso muito trabalho em Bruxelas para conseguirmos financiamento. É um projeto diferenciador que quer atrair para a região algo que não se faz a menos de 350 quilómetros daqui.

P – Como está a situação financeira da Câmara de Pinhel?

R – A Câmara não vive com muito dinheiro, mas continua a manter uma política de impostos o mais baixos possível para os munícipes, a realizar iniciativas e eventos para promover o concelho e respira financeiramente bem. Temos feito uma gestão muito apertada para assumirmos os compromissos com os fornecedores. O município paga a tempo e horas, baixámos o endividamento em 2 milhões de euros desde 2013 e não temos dívidas a terceiros. Vamos tentar um entendimento na dívida às Águas do Vale do Tejo (AVT) porque queremos pagar.

P – Isso quer dizer que vai “furar” a tomada de posição das Câmaras quanto à resolução deste problema em tribunal?

R – Sou solidário com os meus colegas nesta matéria e acredito na sua resolução, não vou “furar” nada. Mas está aberta uma hipótese de resolver este diferendo porque há uma possibilidade dos municípios se poderem financiar neste Orçamento do Estado através de um fundo que as Águas vão ter. Sem contrair empréstimos, podemos eventualmente conseguir liquidar a nossa dívida com um acordo de pagamento a 25 anos e em condições mais favoráveis. A nossa dívida é de cerca de 5 milhões de euros, juros incluídos, mas quero crer que, bem negociado, o valor é muito inferior. A AVT, que é o maior credor do município, tem que estar sensível a isto. No caso da ação em tribunal ser favorável aos municípios, ela pode ser descontada no acordo de pagamento que vamos fazer. Se não for assim, naturalmente que pagaremos na íntegra o que consta desse acordo.

P – Disse na tomada de posse que o município «criou emprego, investiu cerca de 60 milhões de euros no concelho e reduziu o endividamento da Câmara em 2 milhões de euros». Tem condições para fazer melhor neste segundo mandato? Como?

R – Nunca prometi obras, mas apenas dar o meu melhor e isso é um compromisso muito sério com os munícipes. E acredito que farei melhor se as oportunidades aparecerem.

P – Mas quais as áreas que poderá privilegiar? Não falou do turismo, um chavão que todos os autarcas usam neste momento para desenvolver os seus concelhos.

R – A aposta no turismo já a fazemos há muito tempo ao promover o território e as suas potencialidades nos diversos eventos que realizamos. No entanto, os autarcas têm que se mentalizar de uma vez por todas, e a CIM tem uma responsabilidade acrescida, que é fundamental começarmos a interligar as nossas potencialidades no turismo. Temos que “vender” a região como um destino turístico rico e diversificado e não apenas cada concelho por si. Por exemplo, era importante promover em conjunto o evento “Cabeça Aldeia Natal”, em Seia, o presépio natural que se faz no Sabugal, a “Guarda Cidade Natal” e o “Pinhel de Natal” para atrair visitantes para todas estas atividades. É esta estratégia que falta na região e que é importante fazer.

P – Acha então que há muitas matérias em que os municípios deveriam colaborar mais, mas como não está a ser feito perdem-se dinâmicas e um potencial de crescimento em termos regionais?

R – Sem dúvida. É interessante, muito importante, o que está a ser feito por capitais de distrito como a Guarda, Viseu e Vila Real, em termos de desenvolvimento do interior, mas eu sou um presidente de Câmara da região e não sei de nada. Só sei o que vejo na televisão, pelo que falta envolver mais os responsáveis políticos locais nesta matéria fundamental. A região não é só a Guarda ou Viseu, onde estão os demais concelhos desses distritos?

P – Fala várias vezes na complementaridade e cooperação entre os municípios. Mas parece sentir-se sozinho nesse desafio.

R – Essa é a grande falha que existe na região e a verdade é que já não começo a sentir-me sozinho neste assunto. Felizmente que há alguns autarcas que pensam da mesma forma, só espero que isso seja contagiante e que o futuro presidente da CIM tenha mais sensibilidade para este assunto.

P – E Rui Ventura é candidato a esse lugar?

R – Não. Sou apenas e só presidente da Câmara de Pinhel e é isso que quero continuar a ser.

P – Pinhel recuperou a capitalidade regional em termos de vinho. Quais são os passos que se seguem?

R – Pinhel nunca perdeu essa capitalidade, mas tenho a noção clara que a produção de vinho de Pinhel tem que estar associada à marca Beira Interior. E foi nesse sentido que desafiei a Comissão Vitivinícola a fazer aqui a feira “Vinhos e Sabores” porque a marca de Pinhel não se consegue afirmar sozinha lá fora. É verdade que a marca Beira Interior ainda não é muito conhecida, apesar da cada vez maior qualidade do seu vinho. Por isso vamos promovê-la mais e, além da feira, queremos divulgar os vinhos além-fronteiras através da CIM e da CVRBI, com a Câmara de Pinhel a apoiar. Temos uma estratégia para isso e vamos concretizá-la. Por outro lado, estamos a pensar numa candidatura para recuperar a Casa Grande, o edifício dos antigos Paços do Concelho, para ali criar um espaço museológico dedicado à tecnologia ligada ao vinho.

P – Foi reeleito para um segundo mandato e reforçou a maioria absoluta, ao obter mais de 64 por cento dos votos. Rui Ventura não tem oposição em Pinhel?

R – Claro que tenho, sempre tive. A oposição não é significativa por causa do trabalho que fazemos, que é de proximidade muito grande, de falar com os munícipes e trabalhar com eles de forma transparente, dizendo ao longo do mandato como estão as contas e a gestão da Câmara, qual é a estratégia e isso dá confiança às pessoas. Portanto tem mais a ver com o mérito daquilo que fazemos do que com o desmérito da oposição.

P – O que vai fazer para combater a quebra da natalidade no concelho?

R – Temos de encarar as coisas como elas são: é preciso povoar o território. Se existe mais gente no litoral do que no interior, se há pessoas sem condições de vida nos grandes centros e que a podem vir a ter no interior, se há habitantes do litoral com casas e família no interior, então porque não tentarmos povoar o território. Este é um dos motivos que me levou a apoiar Santana Lopes porque vejo nele alguém que pretende descentralizar os serviços públicos. Estamos a falar de milhares de pessoas que poderiam vir para o interior e, tendo aqui melhor qualidade vida, porventura essas famílias poderiam pensar em ter mais filhos, por isso é que falo em povoar. Depois também é preciso apoiar as empresas, nomeadamente com zero IRC durante vários anos.

P – O INFARMED vai para o Porto e, por essa ordem de razões, o que poderia vir para Pinhel?

R – E por que não para a Guarda ou para a região? Se a Guarda for forte, Pinhel também é! O que é preciso é que os institutos públicos e os serviços da administração central venham para este território porque ganhamos todos com isso.

P – Mas acha que o Estado já está preparado para dar esse passo?

R – Não, porque das 164 medidas da Unidade de Missão o Governo não aplicou uma. É mais do mesmo, é novamente moda por causa da tragédia dos incêndios.

P – Pinhel é caso único no país, pois o executivo é constituído maioritariamente por mulheres, a Assembleia Municipal também é presidida por uma mulher. É fruto do acaso ou foi propositado? Pode ser um bom exemplo de igualdade de género?

R – Não tem nada a ver com isso, mas tão só com a escolha das pessoas mais capazes para concretizar a minha estratégia para o município nas respetivas áreas. Calhou serem mulheres. Mas acho que têm as características que são fundamentais para levar o concelho para a frente. As mulheres são mais frias a tomar decisões, mais difíceis de influenciar e mais sensíveis em determinadas áreas.

Perfil:

Os comandos deram «uma lição de vida» a Rui Ventura, de 46 anos. Nesta passagem pela tropa mais dura do Exército português, o autarca aprendeu a resistir às adversidades. Dessa experiência sobraram também a «firmeza de carater, a frontalidade e o gosto pela minha terra», garante.

A ida para os comandos aos 18 anos foi um dos seus grandes desafios. «Queria provar que era capaz de fazer aquilo. Os meus pais não queriam, a minha mãe então nem pensar, porque foi em 1992 quando faleceram dois comandos», recorda Rui Ventura, acrescentando que essa opção nada teve a ver com rebeldia. «Nunca fui um jovem rebelde, sempre fui muito tranquilo e muito ligado à terra», garante. Foi também «muito popular» e, por isso, fundou a primeira associação de estudantes da Escola Secundária local. Esteve também ligado ao associativismo juvenil da “cidade-falcão” e pertenceu aos escuteiros, desde lobito a chefe. Dessa notoriedade e dinâmica à política foi um passo curto, tanto mais que o pai era um dos fundadores do PSD em Pinhel. Filiou-se na JSD aos 14 anos, mas «com dez anos já fazia campanhas eleitorais e gostava de andar nos carros», lembra.

Na jota colou muitos cartazes – «com cola, não é como agora» – e projetou a secção local de Pinhel, a tal ponto que acabou por liderar a estrutura distrital durante vários mandatos. «Gostei desse tempo e esse envolvimento deu frutos para a minha carreira política», assume, tendo sido eleito vereador durante 16 anos. Rui Ventura diz de caras que nesse tempo esteve a preparar-se para ser presidente da Câmara. «Desde muito novo que disse que queria ser presidente da Câmara da minha terra, mas nunca passei por cima de ninguém para o ser porque sabia que um dia havia de chegar a minha hora. Portanto, trabalhei para isso e a minha hora chegou», constata.

Natural de Pinhel, casado, pai de uma filha de 13 anos, o edil gosta de estar com a família, de desportos radicais motorizados e de cavalos. «Mas o tempo com a família é pouco, também gosto de ler e vou passando pelas redes sociais», revela. Garante não ter outro objetivo político que não seja a presidência da Câmara de Pinhel, a que se dedica «a cem por cento». Concorreu, e perdeu, duas vezes à Distrital do PSD, mas não descarta avançar uma terceira vez. «Tudo depende», deixa escapar, sem concretizar. É amigo pessoal de Passos Coelho, por quem tem «muito respeito pelo que fez pelo país», mas também de Pedro Duarte e de Jorge Moreira da Silva, cujas comissões políticas nacionais integrou na JSD, de Marco António Costa e de Luís Montenegro. «Eles são da minha geração. Eu era o mais novo e tratavam-me por miúdo», afirma. São apoios de peso para o caso de Rui Ventura optar por outros voos: «Na política nunca digas nunca, mas neste momento o meu compromisso é com os pinhelenses», reitera o presidente da Câmara, que nem mesmo a Assembleia Municipal cativa, «pelo menos nos próximos três anos», ressalva, sublinhando que nunca será um alinhado. «Serei sempre livre de pensar e radical se tiver que o ser», declara.

Rui Ventura

Comentários dos nossos leitores
Mendo josebraz1913@gmail.com
Comentário:
Gostei da entrevista. Sou natural mas resido em Lisboa. Penso voltar a residir na terra onde nasci.Força Rui Ventura. Na próxima Feira das Tradições talvez possamos trocar dois dedos de conversa. Até lá.
 

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