Vêm aí os dias da seleção nacional. O prazer do futebol aliado ao imaginário da comparação competitiva entre países, como se medissem forças, e como se assim fossem avaliadas as culturas, os valores, as atitudes nacionais. O futebol germânico, frio e ultra objetivo, o italiano, defensivo e ultra eficaz, o inglês, com as honras de nunca deixar de ser uma potência, o eslavo, duro mas por vezes capaz do mais belo, o francês e a vontade imparável da République, o português e a sua arte de poder vencer o melhor mas também de poder ser derrotado pelo pior. Medem-se e comparam-se países e sociedades como se a realidade do futebol entre nações exprimisse a realidade das diferenças entre as nações. Não exprime, nem sequer aproximadamente. Mas nem tudo é uma ilusão. Há a inocência do olhar das crianças que acreditam nos cromos que colam nas suas cadernetas. Há os seus pais e avós, tantas vezes a família toda, que discutem as táticas, as qualidades, o selecionador, cada um dos jogadores. E há estes últimos que são quem mais protagoniza o espetáculo, com a noção de que o lúdico é afinal tão sério quanto as lágrimas de tristeza ou alegria que as crianças não conseguirão conter, olhos brilhantes invadidos como se fossem campos de vitória. São campos belos e crédulos, que merecem toda a sinceridade com que podemos fazer algo junto. Num campo onde jogam o mesmo número de cada lado, onze a defender e a atacar, com balizas iguais de cada lado, regras iguais para todos, os desequilíbrios já não são injustos. Prevalece a arte e o carácter. As bandeiras, os equipamentos, os hinos, a sorte, o azar, o poste, a falta, o penálti, o dia sim, o momento genial, o dia não, a fífia, alguém transcender-se, pela equipa e por todos nós… A complexidade do futebol está nesta especial aptidão para tudo fazer contar e assim nos ligar no momento mágico em que alguém se transcende. Vença-se ou não, ganha-se sempre quando se ganha uma das mais extraordinárias capacidades humanas: a capacidade de se acreditar, individual e coletivamente. Ou, numa palavra só, quando acontece a esperança.
Uma seleção nacional seguida nacionalmente, ou seja, verdadeiramente por grande parte da sociedade, é uma seleção que representa o país, mas de facto mais do que o país representa-nos a todos os que aderimos à paixão de a seguir ao longo de um mês de competição. Não é uma representação política, mas social. Não escolhemos os jogadores que nos representarão e por isso não é uma representação democrática. Mas subsiste uma certa força de democracia nesta representação social. Porque quase ninguém fica indiferente aos destinos da seleção na competição, mas também porque qualquer um poderia ter sido jogador – o futebol apenas carece de uma bola e um bocado de chão mais ou menos plano para ser praticado. E também porque confiamos num selecionador que escolhe por mérito, sentido de equipa e escrutinamos até ao menor detalhe todos os lances do jogo. Este futebol mobilizador de esperanças é vivido de forma demasiado transparente para que não vejamos, do outro lado, nós mesmos. O lema da campanha de apoio à seleção diz – quando os 11 entram em campo, entramos 11 milhões. São mais ainda, porque faltam os milhões na diáspora. Mas é isso mesmo: entramos todos em campo.
Por: André Barata