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1O anúncio do fim das isenções nas antigas scut’s no final do mês é mais uma machada na interioridade. Depois de um período de isenção para residentes e empresas sedeada nas regiões contíguas às autoestradas, o Governo esquece as diferenças de rendimento, as assimetrias, a distância dos mercados e da matéria-prima, as distâncias da administração central e dos serviços centralizados e elimina a majoração de 10 viagens gratuitas.

Esta decisão não é propriamente uma surpresa, perante o estado a que o país chegou, mas não deixa de ser paradoxal que perante o acentuar de disparidades e desequilíbrios entre litoral e interior, mesmo considerando a crise, os custos da interioridade se elevem. Na verdade, e quiçá pela falta de mobilização e contestação, as portagens foram implementadas de forma absurda, com pórticos e sistema fotoelétricos, em vez de portagens físicas, em estradas com caraterísticas de construção e de segurança muito inferior às autoestradas (na A25, por exemplo, em grande parte do trajeto a velocidade máxima é de 100 quilómetros/hora precisamente por ter pouca qualidade e menos segurança). Apesar disso, o quilómetro de “portagem” nas ex-scut’s está entre o mais caro do país. Mais, enquanto nas autoestradas do interior o pagamento de portagem vai passar a ser universal e caro, continua a haver muitas vias ou trajetos no litoral com valor reduzido ou inclusivamente gratuitas – como acontece na A8, entre Bombarral e Caldas da Rainha, onde a gratuitidade acontece desde que houve uns cortes de estrada há cerca de 10 anos, ou na A24 entre outras. Os nossos deputados deviam identificar esta situação e pedir explicações ao Governo, pois as portagens são nocivas para o interior e é incompreensível que regiões com rendimentos superiores não paguem.

Mas se as portagens são um custo e uma discriminação negativa para o interior, há também uma janela de oportunidade para alguns sectores e serviços (comércio, educação, cultura, etc) que, precisamente pelo acréscimo de custos das viagens, poderão ter mais clientes ou utentes. Cabe às empresas e instituições criar dinâmicas e serem imaginativas convertendo mais esta dificuldade e este custo numa oportunidade. Não será fácil, mas poderá pelo menos suavizar o impacto negativo.

Entretanto, e enquanto se corta a pequena majoração positiva à interioridade, as empresas públicas de transportes de Lisboa continuam a ter défices e prejuízos de centenas de milhões que o país terá de pagar.

2O processo de reorganização administrativa do território em curso vai dando passos assertivos para acabar com freguesias que, na prática, há muito já morreram no nosso mundo rural. Por outro lado, nas cidades o processo é mais complicado. E se há legislação para extinguir, falta legislação para instalar as novas freguesias, para definir as novas competências e os respetivos meios. Pior, o processo irá cair sobre as próximas eleições autárquicas e poderá haver atrasos que criem situações complexas no ato eleitoral de 2013.

O reordenamento do território não devia passar apenas pela extinção de pequenas freguesias, devia passar essencialmente pela descentralização de uma administração pública concentrada em Lisboa.

Luis Baptista-Martins

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