Os acontecimentos dos outros levam-nos sempre a relativizá-los na sua grandeza e gravidade. Pensamos, muitas vezes, que se fossemos nós, fazíamos desta ou daquela maneira, sentiríamos isto ou aquilo, teríamos as palavras certas, que nos conhecemos tão bem que de certeza reagiríamos assim.
Mas quando somos nós, os acontecimentos formam um furacão gigante e ficamos, por isso, tão pequeninos. E o que pensávamos quando éramos “grandes” já não é o mesmo quando somos ”pequeninos”.
Pensava em “grande” que te abraçaria, claro, que nos ouviríamos os lamentos, óbvio, que choraríamos ambos as dores da nossa filha. Mas afinal, pequeninos que fomos, crianças tão assustadas como a nossa, mal nos tocámos, não trocámos palavra, evitámos tanto quanto foi possível olhar-nos nos olhos.
Quando as portas se fecharam e deixámos do outro lado uma parte de nós, o nosso olhar poisou um no outro, como se precisássemos de o descansar num lugar seguro, e foi inexplicável o efeito espelho. Dissemos tudo entre olhos vidrados e semblante triste. Trocámos de dor e descobrimos que era a mesma. O nosso medo nu e nós sem vergonha, e as lágrimas que vertíamos eram palavras que só ouvíamos no coração.
Até que, finalmente, as nossas mãos se uniram, as minhas geladas, as tuas quentes, o que temperou as emoções e foi bom.
Apesar do peso dos ponteiros do tempo que teimava em passar, começaram-se a desatar os nós que nos tolhiam até que mais tarde, na contraluz ao fundo de um corredor, um Anjo.
E não é como dizem. O nosso anjo não tinha vestes brancas nem asas.
O nosso anjo vestia verde e disse-nos aquilo que mais queríamos ouvir: “Correu bem, correu tudo bem”.
Por: Carla Freire