Arquivo

Uma vida às escuras cheia de obstáculos

Um dos maiores problemas para um deficiente visual é criado por quem estaciona um carro em cima do passeio ou por um buraco mal assinalado

Na Guarda, os invisuais continuam a ter muitas dificuldades para circular pelas ruas da cidade. O presidente da delegação local da ACAPO (Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal), José Branco, conhece muitas das barreiras, mas foi à custa de nódoas negras e da testa rachada. O último incidente aconteceu, na semana passada, quando caiu numa vala feita para as condutas do gás, em pleno centro urbano. Tudo não passou de um susto.

No entanto, a Guarda já integra a Rede Nacional de Cidades e Vilas com Mobilidade para todos, projecto que pretende reduzir as dificuldades no acesso a espaços públicos e a edifícios de utilização colectiva. Já faz parte da rotina diária de José Branco calcorrear as ruas da cidade, com a ajuda da sua bengala branca. O percurso que melhor conhece é o de sua casa para a sede da ACAPO, situada no centro comercial S. Francisco. Contudo, a cada esquina esconde-se um perigo para um deficiente visual. Numa dessas habituais travessias, José Branco caiu num buraco das obras para o gás, a cargo de uma empresa privada, nas traseiras do Hotel Turismo da Guarda e do Tribunal. «Tudo não passou de um grande susto, mas podia ter sido uma tragédia», constata indignado, o presidente da associação, que ainda traz as marcas das mazelas. «Foram só uns golpes nas mãos, ainda me deram uns pontos nos lábios e também me magoei numa perna. Mas não foi nada de grave», tranquiliza José Branco. Tudo aconteceu porque «o topo da vala» não estava devidamente protegido, com grades ou outro tipo de protecção, «foi como cair para uma piscina sem água», graceja. «Os olhos de um cego estão sempre na ponta da bengala», sublinha o presidente da ACAPO. Saiu da vala pelo seu próprio pé, pois não havia ninguém à volta. «Só depois apareceu um funcionário das obras», relata José Branco. Ainda antes de se dirigir ao Hospital, reclamou junto do responsável das obras, o qual se desculpou com os funcionários e com as grades laterais, mas o que é certo é que a vala estava a descoberto. «Ali qualquer pessoa se podia ter magoado, nomeadamente, uma criança», refere. Agora o buraco já está tapado, como diz o velho ditado: “Casa roubada, trancas à porta”.

Mas não é a primeira vez, nem será a última, infelizmente, que se magoa nas ruas da Guarda. Um dos seus maiores tormentos passa pelo estacionamento dos automóveis em cima dos passeios. E se for uma camioneta, «ainda pior», porque a bengala não detecta o obstáculo, porque se enfia por debaixo da carroçaria, e «só dou conta quando bato com a testa», frisa José Branco. «Só porque as pessoas estão a carregar ou descarregar sentem-se no direito de encostar junto ao estabelecimento», acrescenta. Se não fosse a bengala tudo seria muito pior, por isso, José Branco, que vive sozinho há 15 anos, não dá um passo sem ela. Outra das grandes barreiras está relacionada com a circulação automóvel. «Principalmente, quando se tem que atravessar a rua», assegura. Os telefones públicos também são obstáculos para os deficientes visuais, nomeadamente, aqueles que «têm umas orelhas saídas para fora» ou até os vasos que estão colocados nos postes, indica o dirigente local da ACAPO. De outra vez, bateu com a cabeça numa esquina viva, «ali perto da Portugal Telecom, onde estão colocadas duas placas», recorda, acrescentando, que «estas coisas devem ser protegidas no chão», bastando um pequeno estrado ou algo do género, de modo a que a bengala consiga identificar o obstáculo. Numa outra situação, perto da rua Duque de Bragança, partiu a cabeça numa varanda. Tudo porque um velho canteiro com ervas daninhas, que orientava o seu trajecto para casa, foi retirado. «Há tantos anos que ali passava, que nem sonhava que estava lá uma varanda», confessa. Depois de ter reclamado junto da autarquia foi colocado um tubo, «claro, que esteticamente não é bonito», mas é muito mais funcional para José Branco chegar a casa sem partir a cabeça.

Patrícia Correia

Sobre o autor

Leave a Reply