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Uma velha “amizade”

Opinião – Ovo de Colombo

Ainda que não sendo o melhor nem o mais conhecido filme da ilustre carreira de Bette Davis, “Old Acquaintance” (1943) é, ao pé de “The Letter” (1940), o seu melodrama que mais estimo.

Realizado pelo subvalorizado Vincent Sherman, um especialista em “woman’s films”, “Old Acquaintance” possui, muito especialmente na primeira parte, um ritmo tão envolvente e desenvolto que me coloca quase num estado de hipnose. Sou completamente sugado (e com muito gosto) para dentro daquela pequena cidade, provavelmente no interior dos EUA, onde interagem duas amigas de longa data que disputarão, por muito tempo, no campo profissional e amoroso. É sobre isto que o filme trata e tão apetitosamente aflora: a disputa, a competição, a inveja e o peso da amizade (e, num sentido mais intelectual, a diferença entre a alta e a baixa cultura).

Um melodrama da Bette é sempre bem-vindo, mas deixem-me que vos diga que quem me chama essencialmente a atenção é a sua coprotagonista Miriam Hopkins, uma loira e intelectual “southern belle”. Esta excelente atriz, hoje bastante esquecida, foi muito popular nos anos 30, brilhando em comédias clássicas do Ernst Lubitsch, mas sinceramente aprecio mais vê-la com o seu glamour e chiliques em melodramas como “Old Acquaintance” e “The Old Maid” (1939), este também com Bette. Ambas as atrizes têm desempenhos muito apreciáveis (é certo que Miriam roça, não raras vezes, o “overacting”, mas isso faz parte da personalidade exuberante da sua personagem). De facto, Bette, que desta vez optou por fazer de “boa” (dizendo que a sua personagem neste filme é, de entre todas as que encarnou, uma das que mais se aproxima da sua real maneira de ser), brinda-nos com uma performance bastante contida e mais suave que as algo histriónicas presentes em “All About Eve” (1950) ou “Baby Jane” (1962).

É lendária a rivalidade entre Bette e Joan Crawford. Porém, Miriam pode vangloriar-se de ser um ódio de estimação antecessor a Joan. A “bitchyness” sumarenta presente no “plot” não é muita se atestarmos à vida real e às histórias de bastidores experienciadas entre as duas divas. Como não me quero desviar demasiado do filme, não me pormenorizo sobre esse duelo de titãs. Todavia, aconselho a que veja “Old Acquaintance” tendo presente tal rivalidade pois esta dá mais sabor (e veracidade) à história.

Abordando, agora, questões mais técnicas, considero que a fotografia, ainda que longe de um patamar sublime, é agradável, podendo o mesmo dizer-se da música de Franz Waxman (não sou grande fã deste compositor). Para finalizar, gostava de destacar o inspirador guarda-roupa vestido por Miriam (da autoria de Orry-Kelly) que tanto me fascina, quer seja provinciano, “girlish” ou glamoroso.

Louros à parte, não posso qualificar “Old Acquaintance” de obra-prima. Na sua última meia hora, o filme perde consideravelmente o seu tão antes notório bom ritmo, além de que tecnicamente, como já falei, não é mais que um produto decente. Vale essencialmente pelo “plot” sobre rivalidades decorado pelo glamour tão próprio do melodrama, pelos imensos “Bette Davis Eyes” e pelo charme à la Scarlett O’Hara de Miriam.

Miguel Moreira

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