A Câmara de Gouveia desvenda até 13 de Fevereiro mais um capítulo da enormíssima tarefa que é preservar e divulgar a obra de Vergílio Ferreira. Por ocasião do 88º aniversário do seu nascimento, evocado ontem, o museu municipal Abel Manta dedica ao romancista uma exposição constituída por um conjunto significativo de objectos pessoais, a grande maioria dos quais será revelada ao público pela primeira vez. A mostra intitula-se “Fragmentos de Memória” e é uma janela discreta e intimista sobre a vida de um dos mais importantes romancistas portugueses do século XX.
O cadeirão favorito, a prancheta, o violino que tocava, a caneta com que escrevia, várias medalhas, prémios e condecorações, a capa do doutoramento honoris causa pela Universidade de Coimbra ou a galinha que inspirou o conto “A Galinha”, compõem esta exposição que apresenta ainda os painéis e alguns objectos da mostra “Sobre o Silêncio da Terra” – como a secretária e a máquina de escrever – promovida no mesmo local há um ano atrás por ocasião da Rota dos Escritores da Região Centro. Os visitantes podem ainda descobrir a universalidade da obra de Vergílio Ferreira através das 25 línguas em que foram traduzidos os seus romances, contos, ensaios e diários. Trata-se de um conjunto de livros em polaco, checo, francês, inglês, espanhol ou grego, entre outros idiomas, mas há também uma edição em braille de quatro volumes da “Aparição”. Documentos que fazem parte da última doação de Regina Kasprzykowsky Ferreira, viúva do escritor, em cumprimento da vontade de Vergílio Ferreira em disponibilizar o seu valioso espólio ao município de Gouveia.
A entrega ocorreu em Outubro último e todo estes «fragmentos de memória» da vida do escritor, como refere Margarida Noutel, técnica superior de cultura do município gouveense e organizadora da exposição, estão agora à vista de todos antes de recolherem à sala Vergílio Ferreira na biblioteca municipal homónima onde o acesso será restrito. «São objectos pessoais que o escritor legou expressamente ao município e que vão juntar-se às centenas de livros, todos anotados, que já estão naquele espaço. Esta é uma oportunidade única para entrar no universo de Vergílio Ferreira e descobrir alguns dos objectos do seu dia-a-dia e que afectaram a sua escrita e a sua vida», sublinha Margarida Noutel, adiantando que a autarquia está, com esta iniciativa, a «valorizar a memória» do romancista e a contribuir para conhecer o autor de obras incontornáveis da literatura portuguesa como “Manhã Submersa”, “Para Sempre” ou “Aparição”, entre muitas outras.
Vergílio Ferreira nasceu em 1916 em Melo e faleceu em Lisboa em 1996. Frequentou o Seminário do Fundão (1926-1932) e licenciou-se em Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (1940). A par do trabalho de escrita, foi professor de Português e de Latim em várias escolas do país. Inicialmente neo-realista, depressa se deixou influenciar pelos existencialistas franceses (André Malraux e Jean-Paul Sartre), iniciando um caminho próprio a partir do romance “Mudança” (1949). Vergílio Ferreira é considerado um dos mais importantes romancistas portugueses do século XX, tendo ganho vários prémios, entre eles o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (ganho duas vezes, primeiro com “Até ao Fim” e depois com “Na tua Face”) e o Prémio Femina em França com o romance “Manhã Submersa”. Foi ainda galardoado com o Prémio Camões em 1992, devido à sua enormíssima obra literária. A exposição pode ser visitada em horário de expediente de terça a domingo.
Luis Martins