No Renascimento a arte é reconhecida socialmente, mas ainda então o era para um número exíguo. E é assim até hoje. Mesmo na nossa época, digamos, democrática, nem toda a arte está ao alcance de todos. Mas, ainda que esteja, é só enquanto se completa no museu.
Até mesmo o artista meramente local, que expõe no ” Paço da cultura” ou alhures, pelo qual se pode sentir repugnância, seja pela sua estupidez ou pela sua petulância, até esse se faz, em casos, pagar bem caro – e há sempre quem lhe compre algo.
O comprador tanto pode ser o médico como o advogado, ou o quadro superior ou médio de uma empresa, v. g..
Os que têm muito dinheiro, em princípio, dão-se com outros que também têm muito dinheiro. Ter muito dinheiro é óptimo, mas saber gastá-lo é uma bênção. Há é que ter toda a cautela para evitar figuras ridículas.
O ridículo é tremendo. Há quem tenha medo de cair no ridículo por dizer a verdade aos ridículos; e isso significa que tais são ainda mais ridículos que estes.
Há duas leis absolutamente obrigatórias a reter:
– muito poucos que compram arte sabem, talvez, da “matéria” e em Portugal há muitíssimo poucos (nem sequer é necessário ter em mente o mercado mundial da arte);
– a arte atrai riqueza, e a riqueza atrai arte.
Quando desejo que tenhas o máximo de riqueza material e, tão rapidamente quanto possível, uma auto-vivenda para descobrires o inexprimível encanto da Europa (ou Ásia, ou África), digo algo de uma extremamente absoluta seriedade.
Reitero, contudo, que farás uma muito triste figura se, antes da riqueza material, não arranjares riqueza humana e cultural. Ora, a riqueza humana começa por arranjar-se na religião – conquanto esclareça já que o meu discurso não é confessional.
Quanto ao próprio reconhecimento e valorização da arte também há muito a dizer.
Em geral, toda a arte do século XX é desencantada; e muitos, considerados artistas de topo, podem não ser mais que egotistas ou egocêntricos profundos, dos quais a infância nunca se apartou. Com todo o devido respeito, parece ser o caso de Miró ou Alexander Calder.
E os próprios livros da arte podem reproduzir dois pederastas, Gilbert e George, ou alguém tão obsceno como Paula Rêgo ( com todo o devido respeito pelas pessoas).
E há sempre quem compre, o que significa que a Arte é nada mais que o Humano; e o Humano sem o Divino é o desencantamento, a catástrofe.
Facto incontroverso é que os impressionistas estão entre os mais altamente cotados, portanto que os melhores compradores distinguem gato de lebre. Aliás, a trajectória vital de alguns, a sua personalidade, é, digamos, olímpica. Curvo-me perante homens como Caillebote, Degas, Manet, Monet, Sisley,…
… O Humano é o subjectivo. Na Arquitectura o mesmo que na Pintura. Dão-se muitas loas a Frank o´Gehry e trata-se de alguém com a grandeza – pelo menos – do inconfundível. Mas prefiro Frank Lloyd Wright e não dava muito por aquele, o qual, ao que suponho, constrói manifestamente caro.
Pessoalmente também gosto muito de José Rafael Moneo e Santiago Calatrava, mas aquele, não obstante vencedor do Pritzker, já foi taxado de ” mau arquitecto” e de ser produto de uma “educação jesuítica”…
É um facto. A partir da 19ª centúria a natureza espiritual e inovadora do “projecto artístico” ganhou cada vez mais força – sem embargo do já dito. Em qualquer dos casos distinguir sempre ” gato de lebre”.
Uma satisfação deve proclamar-se.
Com efeito, nos mais diversos sectores e as mais diversas personalidades já concluíram – e afirmam-no – que a continuidade é a tradição. Absolutamente de acordo. A postura das vanguardas do início do século XX não tem nenhuma fundamentação credível, tal qual a “loucura” dos anos 60, com a sua rebeldia e transgressão, passou há muito.
Separado da tradição, iconoclasta, ou ignorante e /ou desrespeitador do mundo físico em que vive, o Homem nada mais pode esperar que tristeza profunda.
A cerrada ignorância da sociedade actual – por maioria de razão em Portugal, no conspecto europeu ocidental desconhece a importância psicológica em certos locais, em suma do numinoso.
Tu, com todos os inteligentes e grandes, tens muito que fazer.
Post-scriptum – É estupendo que a Guarda possa fazer uma exposição com a qualidade da da Egicar.
Dentre os artistas – que são mesmo egitanienses ou aqui radicados – alguns apresentam trabalhos de rara categoria. Curvo-me.
Foi uma magnifica surpresa e – sem desdouro para ninguém – cumpre-me mencionar Alonso Gonzalez, Ana Moura, Carlos Adaixo, Carlos Simpson, Jerónimo Brigas (paz à sua alma), Maria Lino, Salete Vaz,…….. Falo de memória, que não leve a mal quem devia estar neste rol.
Ana Moura com as ruínas da Pessolta e de Cavadoude, dá-nos um acto de amor. É o respeito pelo mundo físico de que falei atrás. Um Beijinho!
A Egicar que continue com essa grandeza. Também eu me curvo perante tal postura, pois que a Vida é infinitamente mais que deve e haver.
Por: J. A. Alves Ambrósio