Quem não se recorda dos bailes no Sande e Castro? O Centro Artístico que outrora foi um lugar de culto da elite de então foi estigmatizado por ser considerado uma “casa de jogo” e funciona hoje quase como “centro de dia” só para os sócios e familiares. É a colectividade mais antiga da Guarda, mas também a menos conhecida.
A velha porta verde entreaberta, na Rua Francisco Passos, em pleno centro histórico da cidade, passa despercebida aos guardenses. No cimo de umas escadas largas e inclinadas está esse lugar de culto e recôndito. Algumas paredes estão forradas, com fotografias amareladas e emolduradas, de antigos dirigentes, entre os quais, o próprio Sande e Castro, patrono que dá nome à casa. O Centro Artístico tem 110 anos e é uma das mais antigas colectividades do distrito da Guarda. Actualmente, a sede «funciona como um local de convívio e encontro para os reformados, onde se joga às cartas, vê-se televisão e debatem-se ideias», refere Jorge Cardoso, à frente da direcção há cerca de 10 anos. Ao final da tarde, algumas dezenas de homens estavam reunidos, como habitualmente, à volta das mesas de jogo para jogar à sueca, ler o jornal ou discutir a melhor táctica de futebol. Mas nem sempre foi assim. Antigamente, a colectividade era mais “elitista”: «Nem toda a gente podia ser sócio, a proposta de admissão era sujeita ao rigoroso veredicto da direcção. Tinha que se saber tudo sobre a pessoa», recorda o dirigente, que ainda não esqueceu a rivalidade com o Clube Egitaniense. O Centro Artístico era um lugar de culto, onde os seus sócios ouviam tocar piano, relíquia que ainda hoje está guardada na sala onde agora se lê o jornal ou se vê televisão, e assistiam também a vários saraus culturais.
Sócios de geração em geração
Entretanto, com o 25 de Abril de 1974, o Centro passou a estar aberto a toda a comunidade. Mas, ainda agora, para se ser sócio é preciso cumprir determinados requisitos, porém, não tão rigorosos como antigamente. «Basta ter 18 anos, ser residente na Guarda e propor a sua candidatura. Depois, a direcção aprova ou não», indica Jorge Cardoso, sócio há mais de 30 anos. O presidente do Sande e Castro entrou naquela “casa” por intermédio do pai, «também ele sócio», recorda, à semelhança de outros elementos, pois «é algo que vai passando de geração para geração», garante. Presentemente, o Centro Artístico tem cerca de 200 sócios, que pagam a sua quota mensal assegurando assim o seu funcionamento. «Não é uma casa de jogo, é uma associação recreativa onde os sócios se entretêm e passam o tempo», explica. O dirigente ainda se recorda dos tempos em que aquele salão se transformava num grande palco de dança. O Baile de Carnaval era o mais afamado. À meia-noite servia-se o chá e às 4 da manhã o cacau. Um evento que ainda hoje ainda se realiza, por altura do Entrudo, «mas já não é bem a mesma coisa, há muito menos gente», lamenta-se. «Naquele tempo, havia sempre mais senhoras do que cavalheiros. Eles tinham que esperar lá fora e alguns só entravam com os pais», diz, sorrindo.
«Todos queriam entrar no salão, por vezes chegava a ser pequeno para tanta gente», acrescenta com um saudosismo próprio de quem ali dançou muitas vezes e continua a dançar, garante. Para António Castro, sócio há mais de 60 anos, «esta casa foi sempre a mesma coisa: um espaço de divertimento, a malta entretém-se aqui», adianta. Tinha 19 anos quando foi aceite pela direcção do Centro, «mas com 12 anos já jogava naquela mesa de bilhar», revela, apontando para uma mesa gasta pelo uso e pelo tempo. Nessa altura «havia cá um senhor que era terrível, nem sempre nos deixava jogar», lembra-se. No seu tempo, os sócios eram escolhidos segundo critérios muito rigorosos e «o nome ficava afixado alguns dias na entrada para aprovação de todos», conta. Agora, que já está reformado, tem por hábito ir ao Sande e Castro todos os dias, a partir das 15 horas até à hora de jantar. «Depois já não volto, tenho que fazer companhia à minha mulher», orgulha-se. Naquele espaço, que hoje cheira a mofo, próprio de uma casa com muitos anos, encontra velhos amigos, joga umas “cartadas” e vê televisão. Será sempre o seu lugar de “culto”.
Patrícia Correia