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Um Sítio Qualquer

A pequena vila que vou descrever não existe, ou é, se quiserem, a súmula de muitas que existem mesmo, ao ponto de poderem julgar tê-lá reconhecido em muitas das que conhecem. Fica no interior, naquela faixa entre a fronteira com Espanha a leste e uma linha imaginária que corta o país a meio de cima a baixo. Não é que não haja terras iguais mais perto do mar, mas não é dessas que quero falar.

São quatro da tarde de um dia ensolarado deste estranho inverno. Vou percorrendo uma longa avenida que atravessa a vila, agora cidade. De um lado e outro há o que agora chamam “equipamentos sociais”. Passo pela biblioteca municipal, por um pavilhão multiusos, por uma placa que anuncia um pavilhão gimnodesportivo, pelo tribunal recentemente inaugurado, pelo edifício do antigo, convertido em “Mediateca”, pelo Centro de Saúde. Outras placas anunciam as escolas, o campo de futebol, as piscinas municipais. Mais adiante, na avenida, o quartel novo da GNR e o novo edifício dos Paços do Concelho são testemunho da prosperidade dos anos do crédito barato, como o são a praia fluvial, que se vê da ponte (nova) sobre o rio. Aqui e ali vêem-se parques infantis, relvados, semáforos (todos intermitentes), rotundas (com oliveiras anémicas rodeadas de erva daninha). Os passeios estão sujos. Há muitos estabelecimentos fechados, alguns com ar de o estarem há muito tempo

A entroncar na avenida temos a marginal, com quatro faixas, pontuada de rotundas. O pavimento está degradado e o movimento que tem não justifica a sua existência nem as despesas de manutenção que dá – que é o mesmo problema que têm, por exemplo, as piscinas e o pavilhão multiusos..

Regressemos à avenida. Não se vê quase ninguém, a não ser alguns idosos. De um lado e outro, entre os dispendiosos e pouco utilizados equipamentos públicos, temos dúzias de casas aparentemente devolutas. Muitas estão à venda, a maior parte necessita de manutenção. Não se vêem cortinas nas janelas, nem gente por detrás. As portadas de madeira estão fechadas e há vidros partidos. Salvo em frente a alguns organismos públicos, há muito estacionamento disponível, tanto que se não justificam os parquímetros. De quando em quando passa um carro. No café deprimente onde acabo por entrar dois rapazolas falam no Zé, que prometeu arranjar-lhes emprego na Suíça. O Zé tem um BMW e só lá está há um ano, a lavar pratos, “e tem o curso de Relações Internacionais”. “Aqui”, diz um deles, “emprego só se for na Câmara e já não se arranja nem com cunha do presidente”. “Pois é”, diz o outro, “parece que estão falidos”.

Por: António Ferreira

Comentários dos nossos leitores
al cardoso alcard8@gmail.com
Comentário:
Até parece que se está a referir a Fornos de Algodres, se não fosse pelos vidros partidos dos edifícios e da “Marginal” era uma descrição perfeita! E que pena que essas realidades sejam bem reais! Para que se construíram tantos equipamentos para serem utilizados por quase ninguém?
 

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