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Um projecto precisa-se

Theatrum Mundi

A causa próxima da derrota do PSD e do CDS nas eleições de 20 de Fevereiro parece ter sido a “trapalhada” constante em que o primeiro ministro envolveu o funcionamento do governo de coligação, não hesitando mesmo em confundir em público o que era a governação do país com o que era a gestão das rivalidades dentro do seu partido, e obrigando o presidente da República a um acto a que já dera mostras de não querer recorrer. Mas por muito que este argumento tivesse bastado para resolver as eleições, ele não é suficiente para explicar o desânimo e o sentimento de frustração que têm marcado a vida do país nos últimos tempos. Por isso, o fracasso de Santana Lopes à frente do governo é muito mais do que a sucessão de anedotas e erros grosseiros que serve de inspiração aos criativos do contra informação; o fracasso de Santana Lopes, e para esse efeito também o de Durão Barroso, é o resultado da ausência de um projecto coerente e justo para Portugal e para as comunidades que vivem no seu território. As políticas concretas podem ser discutidas, e por isso a obsessão do défice ou outras opções do género são positivas ou negativas somente de acordo com o projecto mais abrangente que servem. Mas sem projecto, toda a opção política acaba por perder sentido e não pode fazer senão desgastar a confiança da população.

Pelo que a vitória do PS é tanto mais responsabilizante quanto absoluta na sua expressão e no número de deputados eleitos. Por isso mesmo, a noite da vitória foi tudo menos uma noite de euforias desatadas: já lá vão as noites eleitorais que terminavam com grandes ajuntamentos a abanar bandeiras e longas caravanas que em uníssono gritavam a sigla do partido vencedor. Foi tão grande o alívio e a vontade de recuperar um governo credível, o mais depressa possível, que desta vez se dispensou a euforia. Até porque, lá bem no fundo, todos sabemos que a tarefa do novo governo é urgente, mas não é fácil. Todos sabemos que o modelo de desenvolvimento português está mais do que esgotado e que, em todo o caso, o seu resultado mais evidente foi o agravamento das assimetrias regionais. O novo governo PS tem a obrigação e a responsabilidade de colocar esta questão no centro do seu projecto para Portugal, de uma vez por todas, e de fornecer respostas coerentes e justas para ela. É preciso deixar de lado as políticas inconsequentes e contraditórias do passado, arrasadas por todos os estudos e relatórios, e assumir que o estado das assimetrias regionais é o obstáculo mais grave ao desenvolvimento do país. De todo o país. Isto numa semana em que um novo estudo, desta vez da autoria da Universidade de Coimbra, volta a pôr o dedo na ferida da interioridade, desta vez no que toca ao estado do acesso à saúde em Portugal. Em meu entender, o que este estudo procura sublinhar sem o dizer expressamente é que um país que discrimina o seu mundo rural e o condena ao desaparecimento não pode ser nunca um país desenvolvido. O que é mais, o estudo realizado pela Universidade de Coimbra vem provar que um país que utiliza os seus recursos e os distribui de forma injusta ainda não compreendeu em que consiste realmente o desenvolvimento.

Por: Marcos Farias Ferreira

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