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Um problema chamado Hotel de Turismo

Transcontinental avisa que sai a 31 de Outubro se não for encontrado novo concessionário, participada da Câmara da Guarda pode assumir gestão transitória

A Câmara da Guarda tem um problema chamado Hotel de Turismo nas mãos. Anulado o primeiro concurso público para exploração futura daquela unidade, tudo indica que o próximo não estará concluído a 31 de Outubro, último dia da gestão da Sociedade de Hotéis Transcontinental na Guarda. Uma data que tanto pode assinalar o fim de uma era na gestão hoteleira na cidade, como o início de uma grande dor de cabeça para a empresa municipal proprietária do edifício e concessionante da sua exploração há 25 anos. A autarquia já manifestou a vontade em não deixar fechar o hotel e admite que a sua participada venha a assumir a gestão da unidade. Resta saber como.

Nesta altura, só a Transcontinental, único concorrente com uma proposta inferior aos dois milhões de euros impostos pelo caderno de encargos do primeiro concurso, tem algumas certezas: «As nossas responsabilidades terminam a 31 de Outubro», garante Miguel Paredes Alves, administrador, recusando-se a comentar a anulação do primeiro concurso. De resto, ainda não sabe se o novo «vai de encontro» aos interesses da sociedade porque ainda não teve conhecimento dos quesitos exigidos pela autarquia. «Tudo está em cima da mesa. Poderemos ou não concorrer, ganhar ou perder uma concessão que é nossa há 25 anos e durante os quais dotámos a cidade de uma boa sala de visitas. Mas nesta última eventualidade, ou no caso de não ser encontrado novo concessionário, o nosso serviço termina nesse mesmo dia, conforme consta do contrato de concessão», adianta, sublinhando, contudo, que a Guarda «continua a ser uma aposta do nosso grupo». Mas porque o mercado da oferta hoteleira mudou na região, o administrador considera ser necessário aumentar o nível de «conforto e comodidade» das actuais instalações, pertença do município, esperando por isso que a autarquia possa instalar uma série de equipamentos que permitam «fidelizar» clientes. «Somos um hotel de estadia curta (em média, uma noite), portanto haveria que disponibilizar equipamentos de lazer, saúde e uma piscina interior aquecida. Mas também espaços de pequenas dimensões para reuniões de negócio», refere Paredes Alves.

O administrador da Transcontinental não esquece a relação de «quase cumplicidade» com os 45 funcionários do hotel, a Câmara da Guarda e a comunidade em geral. E sublinha mesmo que, comparativamente à moderna concorrência, o Turismo continua competitivo porque oferece aos seus clientes um «cunho de tradição, uma arquitectura cuidada e a rusticidade ligada à região, especificidades únicas que as novas unidades não podem oferecer, antes pelo contrário, pois são unidades incaracterísticas que tanto se podem encontrar em Lisboa ou no Porto», defende. Por cá, os problemas decorrentes da falta de um novo concessionário para a unidade hoteleira podem fazer mossa. A sociedade municipal, proprietária do imóvel, poderá vir a encarregar-se da gestão hoteleira do mesmo, como foi anunciado na última reunião do executivo sem mais pormenores. Contudo, a oposição não esquece que aquela participada é uma das empresas municipais «sem qualquer viabilidade financeira em termos de futuro» e tem vindo a defender que o Hotel de Turismo é um tipo de património que «não tem mais justificação» no cenário de aparecimento de novas unidades hoteleiras na cidade, sugerindo mesmo a sua alienação por diversas vezes.

Uma ideia em que não alinha a maioria, defendendo que nunca irá desfazer-se de um equipamento «que faz parte de todo um ambiente cultural da cidade». Outro problema é o destino dos 45 funcionários do Turismo, como bem lembrou Crespo de Carvalho há quinze dias atrás na reunião de Câmara, evocando a cláusula que obriga a autarquia a responsabilizar-se pelos trabalhadores. Mas o executivo assegurou que essa matéria irá ser acautelada na nova gestão municipal do hotel.

Uma obra de Vasco Regaleira

O Hotel de Turismo nasceu nos anos 40 com a vaga de promoção do turismo em Portugal de promover o bom gosto e de ir dotando o país com instalações hoteleiras necessárias. A Guarda oferecia, então, as vantagens incomparáveis da altitude, dum clima saudável e de ser capital de distrito, que devia funcionar como ponto de apoio para as incursões dos visitantes, justificando-se, assim, a importância da construção do Hotel Turismo. O arquitecto Vasco Regaleira abraçou o projecto e planeou uma unidade hoteleira para um ponto privilegiado da cidade, abrangendo a vasta panorâmica da zona da raia. A sua obra apresenta, então, na fachada principal um corpo central em sugestão de torre, enquanto lateralmente se desenvolvem arcarias neo-românicas. Nas fachadas laterais o arquitecto interpretou e recriou o seu entendimento da arquitectura regional: fachadas severas com as cantarias a dividirem e ritmarem os vários corpos. No interior, o edifício distribui-se por cinco pavimentos, destinando-se a cave e subcave a serviços de apoio. O rés-do-chão é o espaço de acolhimento do visitante, com o átrio, uma sala de estar, uma galeria que contorna as traseiras, uma sala de jantar e alguns quartos. Dois pequenos jardins, um nas traseiras, outro lateral, articulam-se com o espaço. Os dois andares superiores são destinados aos quartos. Vasco Regaleira, contemporâneo de Raul Lino, projectou uma obra em adequação com o carácter da arquitectura local, segundo as suas convicções e de acordo com um pensamento estético que conheceu expressão teórica.

Luis Martins

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