Numa louvável iniciativa, um grupo de jovens guardenses iniciam na praça Luís de Camões um visita guiada pelo centro histórico da mui nobre e vetusta cidade da Guarda, recriando personagens e, com a lição bem estudada, vão contando histórias que a História tão bem identifica.
Segui, com todo o interesse e também com toda a curiosidade todos os passos e intervenções feitas por esses jovens atores e desde o aparecimento da bonita dama numa das janelas do prédio centenário dos balcões até ao cantar judaico de hava nagila, tudo presenciei e devo dizer com toda a sinceridade, gostei.
Desci depois a rua de S. Vicente de Paulo em direção à judiaria, que começa na Porta do Sol e se estende pelo adro de S. Vicente, rua Direita e rua do Amparo, nessa entrada conhecida por quatro quinas, foi-nos explicado que muitas daquelas casas tinham duas portas, uma grande que conduzia à loja e uma mais pequena que era a residência, onde a maioria delas, junto à entrada, conservam símbolos que identificam 48 marcas cruciformes da presença judaica nesta terra.
Neste núcleo citadino é bem visível a herança judaica que António Marujo define como «uma cultura, um gueto, uma história». E ali estamos nós rendidos à religião, ao calendário e à tradição do Rosh Hashaná, ao Shavuot ou mesmo à Pessach numa sagração do tempo onde cada casa, cada balcão, cada pedra, cada laje, nos conduz à reflexão e a sensibilidade faz recordar a perseguição dos sefarditas que nunca obedeceram aos ditames da igreja de Roma. Gostei do que vi e do que ouvi.
Mas, há sempre o tal mas… O chamado revés da medalha.
Independentemente da boa vontade do grupo simpático destes novos atores, sou obrigado a fazer referência ao estado caótico, lastimoso e deveras degradante em que se encontra este nosso centro histórico.
Contei dezenas de casas abandonadas, algumas com portas e janelas seladas e tamponadas por tijolos, outras com correntes e cadeados na porta e onde se pode ver o interior em ruínas, uma ou outra recuperada ostentando portas e janelas em alumínio. Não há uma única rua, viela ou travessa deste centro histórico que não tenha várias casas em ruínas, algumas mesmo em risco de ruir.
É assim na travessa do Povo, na travessa do Rato, na travessa de S. Vicente, no antigo largo da rua Nova (largo da Judiaria), largo do Paço do Biu, nas ruas de S. Vicente de Paulo, Bernardo Freire Xavier, Dr. António Júlio, D. Sancho I, D. Dinis, Augusto Gil, S. Vicente, Francisco de Passos, Torreão, Trindade, Oliveiras, Taipas, Rui de Pina, Paz, Amparo, início da Paiva Couceiro, travessa da Glória que nem placa toponímica já tem. E depois é dar mais uma volta para ver o estado lastimoso em que se encontra a muralha, com destaque para a rua do Povo e para o mamarracho que continua em frente ao centro comercial La Vie. A somar a tudo isto, como é evidente, é a desertificação, sensação de abandalhamento, abandono de toda esta riquíssima área citadina. Haja Deus…
Nesta visita fui acompanhado por um grupo de espanhóis e em conversa com um distinto charro salmantino disse-me: «Nós, em Espanha, cuidamos muitíssimo melhor os nossos centros históricos». Corei naturalmente ao sentir essa sensação estranha, num misto indisfarçável de inveja, raiva e vergonha.
Festas, rotundas, romarias, política de encher o olho e outros “fait-divers” que poderão trazer votos e votinhos serão deveras interessantes, mas vai sendo tempo de assentar, concentrando-nos naquilo que é efetivamente importante e essencial.
Por favor, ACUDAM ao centro histórico…
Por: Albino Bárbara