Os séculos passam, mas as histórias ficam. No último fim-de-semana, a cidade de Trancoso pôde assistir mais uma vez à recriação das Bodas Reais, entre D. Dinis e D. Isabel de Aragão. Foi preciso recuar até 1282, altura em que se realizou a cerimónia, e “decorar” a preceito as ruas da antiga vila.
Ao longe, ouvem-se as melodias que lembram a época medieval. Gaitas de fole, vielas de arco, liras. Pelas ruas, carroças de madeira, uma padeira vestida a rigor, um bobo da corte. São personagens de um outro tempo, de uma outra história que hoje apenas vive na literatura e em diversas recriações um pouco por todo o país. Trancoso não é exceção. Com organização da Câmara, da AENEBEIRA e da Trancoso Eventos, a cidade aproveita o seu passado e recria as “Bodas Reais”, um evento que já constitui um marco na região. A par do cortejo e do casamento real, realizou-se também um mercado medieval, onde se cruzaram poetas, profetas, sapateiros, nobres e comerciantes.
Da encenação fazem ainda parte todos aqueles que aproveitam a deixa para incrementar a sua própria economia. É o caso de Maria João Pires que trabalha em feiras medievais há nove anos. Natural de Trancoso, a comerciante não esconde que um dos motivos que a levam a participar tem a ver com os dividendos que o negócio ainda vai proporcionando. «Tenho uma barraquinha porque sempre vai dando para vender alguma coisa e fazer um dinheiro extra», explica. Chapéus de palha são provavelmente o artigo com mais saída e é na nacionalidade espanhola que deposita maiores esperanças de venda: «Nos últimos tempos, tenho notado que o país vizinho nos visita muito e gostam disto», conclui. Habituada a estas andanças de recuar no tempo, Maria João Pires tem-se apercebido que há cada vez menos gente a percorrer as ruas e cada vez mais gente a montar as barraquinhas. «Veem-se poucas pessoas de há uns anos para cá e, por outro lado, há mais gente a querer participar para vender alguma coisa. Começa a haver muito produto e o público, entre tantas coisas que tem para ver, acaba por dispersar», lamenta.
Um pouco abaixo, já no largo Eduardo Lapa, a artesã Elisabete Alexandre acredita que o aumento do número de tendas, e até mesmo de feiras medievais, não é necessariamente negativo. «Têm movimentado muita gente e penso que não vão deixar de ter interesse, porque têm este lado diferente e começa a ser um hábito para todos virem até cá», considera. Na sua banca, costuma vender sabonetes artesanais, criados a partir de azeite, a lembrar o modo como eram feitos antigamente. «Os meus artigos têm chamado a atenção tanto de jovens, por causa da ecologia, como dos mais velhos, que se lembram de como os antepassados faziam os sabonetes, com borras de azeite», explica. Ainda no mesmo largo, encontram-se barraquinhas que promovem produtos regionais e estabelecimentos típicos da cidade. Carla Pires vende a ginjinha da tasca “O Castiço” e participa porque entende que «a feira é uma mais-valia para Trancoso e ajuda a que pessoas de fora conheçam melhor a região, a gastronomia e os artigos mais típicos».
Na Rua da Corredoura, junto às portas d’El Rey, muitos comerciantes decidiram abrir os seus negócios na esperança de que o mercado lhes trouxesse também um aumento do número de clientes. Durante a tarde de sábado, debaixo de um calor abrasador, a afluência às lojas não foi grande. Mas, na opinião de Sofia Garcia, proprietária de uma pequena mercearia, o evento acaba por ter «alguma influência» no negócio. «Nos dias normais só tenho a loja aberta durante a manhã, mas nestes dias do mercado medieval, acabo por abrir também de tarde para ver se sempre tenho mais clientes», explica. Há vários anos a assistir ao evento, não tem dúvidas em afirmar que ao longo dos tempos a feira «tem melhorado». «Não sei se é da divulgação, mas tem mais gente e mais atividades», considera. Além do mercado medieval, ao longo dos dois dias, o público pôde assistir, no sábado, a jogos de destreza e ao cortejo de recebimento da Infanta Isabel de Aragão e, já no domingo, às bodas reais.
Catarina Pinto