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Um país triste

Editorial

Milhares de pessoas saíram à rua no passado sábado para protestar contra o governo. O descontentamento é generalizado e os cidadãos clamam contra a austeridade, contra a falta de investimento, contra a falta de expetativas, contra a falta de emprego… Os portugueses voltaram a sair à rua porque a receita do FMI, do BCE e da Comissão Europeia está errada e o doente que a Troika devia salvar está cada vez mais moribundo – Portugal não morreu da doença, morre da cura.

Não foi uma exclamação de luta com um objetivo definido, como a 15 de setembro contra a TSU, mas foi uma gigantesca manifestação de força pela mudança de políticas. E foi uma contestação à presença da Troika e um grito contra a opressão económica em que o país vive.

Foi um povo triste que saiu à rua. Foram menos jovens e mais idosos, pessoas que estão assustadas com o que vêm à sua volta, com o café de sempre a fechar, com a loja da esquina já encerrada, com a fábrica onde já trabalharam com cadeados e loquetes nos portões… porque hoje, basta olhar à nossa volta para sentirmos o peso da crise; basta irmos ao café do lado para percebermos a tragédia do desemprego; basta olharmos para a expressão das pessoas com que nos cruzamos para sentirmos o medo.

Ou basta ver as casas fechadas, para arrendar ou vender, porque os inquilinos já partiram e os proprietários também acabarão por partir. E se no litoral ainda há a vã esperança de arranjar trabalho; e se em Lisboa ou no Porto ainda há empresas que vão sobrevivendo permitindo uma réstia de esperança; que dizer do interior? Que dizer da Guarda, onde para alguns o mais importante é a regeneração urbana, mesmo que já não haja pessoas para desfrutar dessa requalificação?

A “espiral recessiva” tem de ser combatida com medidas de crescimento económico, com investimento produtivo, com a criação de emprego, com dinamismo social, é assim em todo o país, e ainda mais numa cidade como a Guarda, que vive hoje praticamente de serviços e função pública – para servir a quem?

O paradigma em que muitos ainda acreditam faliu. E uma cidade assim, se não mudar de estratégia, está condenada a definhar e ver as pessoas partirem em massa – e isso na Guarda já se começa a notar. Os construtores ainda acreditam que podem construir para vender mais tarde; que as vivendas em construção têm clientes assegurados em breve; que os apartamentos acabados se venderão «quando a crise passar». Estão errados. Quem partiu já não regressa e cada vez haverá mais gente a partir. Não é apenas o efeito devastador da crise, é também a consequência de anos de mau planeamento, de falta de ideias e de investimentos acertados e produtivos, e da letargia em que a cidade há muito entrou. O Algarve é neste momento o arquétipo: apostou tudo no turismo, mas com menos dinheiro para férias e lazer, há menos turistas, encerram lojas e restaurantes todos os dias, há cada vez mais hotéis votados ao abandono, as empresas de lazer desapareceram e o distrito de Faro, que em 2009 tinha uma das taxas mais baixas de desemprego, passou a ser o distrito com mais desemprego do país.

A recessão, a crise, veio mostrar ao mundo como grande parte das teorias económicas estavam erradas: sem produção não há criação de riqueza e não há criação de trabalho. O país pode sair todo à rua e expulsar a Troika, mas sem um plano ambicioso de desenvolvimento e sem a recuperação económica sustentada na produção (com mais ou menos valor acrescentado) Portugal e a Europa não poderão recuperar. O descontentamento é evidente contra este governo, mas chegámos aqui por culpa da inoperância e falta de perspetiva deste e de muitos governos e de muitos governantes que, maioritariamente, se foram governando como puderam e enchendo os bolsos como quiseram.

Luis Baptista-Martins

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