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Um País Quase Irrelevante

Quebra-Cabeças

Quando se vota em alguém numa democracia, mandata-se essa pessoa para, em nosso nome, em nome do povo (we, the people…), exercer um cargo público. Fala-se do direito em eleger e ser eleito, mas muitas vezes labora-se num erro, fazendo equivaler esses dois direitos como se tivessem o mesmo peso. O segundo direito, o de ser eleito, significa apenas que, à partida, ninguém pode ser excluído da possibilidade de ser eleito para um cargo público. O exercício deste cargo, por sua vez, mais do que um direito é um dever – fala-se aqui, sobretudo, em serviço. O que significa que se não pode falar no direito de levar o mandato até ao fim. Quanto muito, haverá a legítima expectativa do eleito em cumprir o seu mandato. Mas essa expectativa deverá ceder quando o mandante, o eleitor, não deseje mais ter aquele mandatário, aquele eleito, a servi-lo. Se o mandato se mantiver nessas circunstâncias, então passará a constituir uma violência e uma imoralidade. É como forçar uma mulher que já não ama o marido a aceitá-lo na sua cama.

Podia o presidente, face às sondagens de opinião, face ao resultado da última consulta ao eleitorado, face às opiniões das pessoas que ouviu, face ao óbvio cansaço do eleitorado perante este governo, ter concluído pela falência geral do projecto que levou o PSD a ganhar as eleições em 2002. O País foi, repetidamente, e das mais variadas formas, manifestando a sua rejeição à política do governo e a sua desilusão perante as muitas promessas não cumpridas.

Disse-se que era necessária agora a estabilidade para que a retoma se pudesse consolidar. É claro que, assim como a acção do governo foi de todo irrelevante para o recuperar da economia, também um governo a meio-gás durante mais três ou quatro meses pouco prejudicaria – com um governo daqueles mais vale não fazerem nada do que terem a oportunidade de fazer asneira. O problema é que a estabilidade não é um valor em si mesmo e que a forma como foi apresentada faz pensar que se evitou chamar o País a eleições com medo do que o País decidisse. Se ainda tivesse dúvidas pensaria que já não vivemos em democracia, mas o director do Expresso rapidamente as desfez: como argumento contra as eleições diz que um dos períodos em que a economia portuguesa mais cresceu foi durante a primeira parte do consulado de … Salazar. Significa tudo isto que há valores mais elevados do que a democracia (e também a liberdade?) e que esses valores têm todos cotação na bolsa. Porquê, daqui a dois anos, sermos todos submetidos à maçada, e ao risco económico, de umas eleições? Não poderemos limitar-nos a deixar, caso se mostre necessário, que o Presidente da República e o Conselho Nacional do PSD escolham um novo primeiro-ministro, tudo em benefício da estabilidade económica?

Por fim um lamento: que país é este, em que o cargo de primeiro-ministro já não interessa nem a Durão Barroso e pode ser entregue a Santana Lopes?

(Boas férias a todos. Regresso em Agosto, em data ainda por determinar)

Por: António Ferreira

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