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Um país a brincar

Editorial

Como é Carnaval «ninguém leva a mal». Depois de o Governo ter resolvido que a terça-feira não seria feriado, várias câmaras contrariaram a decisão e decretaram tolerância de ponto. Resultado: um país dividido entre quem folgou e quem trabalhou; entre funcionários públicos que trabalharam e funcionários públicos que não trabalharam.

Passos Coelho foi assim ignorado pela maioria dos autarcas. Um país a brincar! Um país em que cada presidente de câmara é dono do seu feudo; em que o populismo dita lei; em que a arbitrariedade bloqueia e tolhe qualquer mudança; em que o mais importante é o porreirismo local… E um país onde o primeiro-ministro continua a não perceber que tem de governar para as pessoas e com as pessoas e não faz sentido deliberar o fim da tradicional tolerância de ponto do Carnaval “em cima da hora” e sem vir acompanhada de mudanças ao convénio laboral, num sistema arcaico em que o Carnaval consta de todos os contratos coletivos de trabalho como dia festivo.

Passos Coelho e o governo ficaram mal na foto. Quiseram impressionar a troika com o país a trabalhar e esqueceram-se de verificar primeiro o que está definido nos acordos laborais. Não se trabalhou na banca, nos correios, nas empresas… houve lojas abertas e lojas fechadas. Uma salgalhada.

2. O mesmo Passos Coelho veio à Serra e, em Gouveia, foi fortemente vaiado. O primeiro-ministro preparava-se para entrar no mercado onde decorria a feira do queijo, quando centenas de pessoas o assobiaram e gritaram palavras de ordem contestando as políticas de austeridade do governo.

Quando todos esperariam uma visita sem incidentes, Passos Coelho teve a sua primeira contestação popular (José Sócrates foi vaiado pela primeira vez quando governava há seis meses). E, enquanto Cavaco Silva foge ao povo como o diabo da cruz, o líder do governo surpreendeu na atitude e pelo denodo atrevimento, Passos dirigiu-se aos contestatários, ouviu, discutiu, respondeu, sentiu a exasperação dos cidadãos, dando o peito ao seu clamor em vez de se refugiar por detrás do cordão de segurança. Passos também podia ter suspendido a visita ou fugir por entre a gritaria – o normal perante as dificuldades – mas ficou. A classe política só sente o hálito dos pobres e só respira o mesmo ar que o povo nas campanhas eleitorais. Passos ganhou na sua estreia em enfrentamentos porque percebeu que o povo grita mas não morde. Em Gouveia, o primeiro-ministro esvaziou a contestação ao ter ouvido. Mas se comeu muito queijo na feira, é melhor que alguém o vá recordando que se nada mudar, a contestação será replicada nas próximas saídas. Para já, e depois das vaias e arrufos de Gouveia, o primeiro-ministro do “custe o que custar” subiu à Guarda para, pela primeira vez, assumir que «nós não sabemos se precisaremos disso ou não [um novo pacote de ajuda externa]». As certezas dos dias anteriores esbateram-se perante a realidade. Os assobios e os gritos beirões terão chamado Passos à realidade. E a realidade é cada vez mais difícil.

Luis Baptista-Martins

Comentários dos nossos leitores
Rui pereiraruim2@gmail.com
Comentário:
Um país onde quem trabalha é sempre prejudicado. A folia é muito mais importante que pagar a quem nos empresta uns tostões para pagarmos as contas.
 

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