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Um Observatório de políticas regionais

Crónica Política

A progressiva e acelerada desertificação do interior constitui um drama para o nosso território. Somos cada vez menos. Menos pessoas, menos atividades, menos empresas, menos jovens.

Mas não menos festa, nem menos propaganda.

E o silêncio, sempre cúmplice, não pode confortar a consciência, daqueles que tinham outras obrigações. Décadas de investimento público e o afluxo de fundos comunitários modernizaram o nosso território, melhoraram as condições de vida e de atendimento das populações, criaram condições potenciadoras para o aparecimento de novas atividades e de maior desenvolvimento. Mas não conseguiram inverter o drama da progressiva perda populacional. O resultado do último censo evidenciou que, pela primeira vez, todos os concelhos do distrito da Guarda perderam população. Um drama muito sério.

Este não é um problema exclusivamente nosso. Outros países reconheceram muito antes de nós que a exagerada concentração urbana conduzia, sempre, a deseconomias externas que prejudicavam a competitividade desses centros, pelo que desenvolveram políticas nacionais de reordenamento do seu território, com resultados notáveis.

É inquestionável, que o Estado é o primeiro ordenador do território, sem ele o esforço de base regional é insuficiente. Mas também aí a nossa consciência coletiva regional vem falhando. Há quanto tempo deixámos de nos interessar do programa de investimentos do Estado no território? Não se fala disso. E quando se fala é para lamentar que aquela barragem, aquela estrada, aquele equipamento deixou de ser prioridade para o Estado. Passamos a considerar que esses problemas são locais, perdemos progressivamente a noção do conjunto.

Um drama a mais, pois estamos a perder capacidade de reivindicar, consciência coletiva, noção do território. A conjuntura política interna decorrente das últimas eleições autárquicas e legislativas deixou o país e a população mais dividida, com menos capacidade de diálogo e consenso.

Em conclusão, temos territórios de baixa densidade populacional a perder cada vez mais pessoas, menos capacidade de gerar consensos políticos para pensar o território, concertar estratégias e implementar políticas eficazes.

O Estado desde há muito que deixou de ter preocupações de políticas regionais, não tem uma estratégia para o território, nem espírito de missão para esse objetivo.

E nisso a esquerda e a direita são iguais, demitiram-se de pensar o problema, apesar de ciclicamente, quando visitam o território, nos compensarem com umas frases bonitas cheias de boas intenções, que não passam disso mesmo.

Aqui chegados, parece ser tempo, de voltarmos a ter uma noção de conjunto, de pensarmos o território, de sermos capazes de elevar o nível da exigência quanto à necessidade de diálogo interpartidário, quanto à eficácia das políticas, quanto ao mérito das decisões.

Existe, por isso, uma necessidade de criar no distrito uma estrutura de reflexão e monotorização de políticas, muito para além das referências exclusivamente institucionais, mobilizando as instituições de ciência e a sociedade civil.

Poderá chamar-se de observatório, ou qualquer outra coisa.

Mas não nos venham, os políticos, dizer que o Estado, ou o Parlamento, já têm uma intenção semelhante, pois sabemos bem como essas coisas são criadas nessas instâncias, justamente, para entreter e abortar a missão para que foram criadas.

Desconfiemos sempre quando, à direita e à esquerda, nos prometerem, com a habitual suficiência, que agora é que sim. Pois que a dimensão do problema exige um compromisso de regime, consenso institucional alargado, horizonte de médio e longo prazo. Não será tarefa fácil. Estamos divididos, com reduzida massa critica, poucas referências regionais e falta de lideranças. Sobra a suficiência de alguns, a arrogância de outros, a desconfiança generalizada.

Fica o desafio!

Por: Júlio Sarmento

* Antigo presidente da Câmara de Trancoso e ex-líder da Distrital do PSD da Guarda

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