Há quem pense, contrariamente a optimistas liberais como Thomas L. Friedman e à generalidade dos extremistas, que a globalização, em lugar de beneficiar o primeiro mundo, vai ser a sua perdição. Vai beneficiar pelo contrário países como a China, a Índia ou o Brasil, receptores privilegiados, graças aos baixos salários, das deslocalizações das grandes empresas europeias e norte-americanas. A cobrar os lucros vão estar também, claro, os administradores e accionistas dessas empresas.
Segundo James Howard Kunstler, por exemplo, a globalização está a permitir à Wall-Mart, uma gigantesca cadeia de hiper-mercados norte americana, colocar no mercado produtos a preços cada vez mais baixos, com isso levando à ruína o pequeno comércio tradicional. Por outro lado, as sucessivas deslocalizações da indústria norte-americana para países com baixos salários (e muitas vezes pouco respeito pelos direitos dos trabalhadores) estão a transformar a América num país de serviços. É como se de repente se tivesse passado a acreditar, como os tolos da velha anedota, que numa aldeia todos podem enriquecer a engomar as camisas uns dos outros.
Pior ainda: as bolhas da especulação imobiliária e da especulação bolsista em redor das “dot com”, estimuladas pelas baixas taxas de juros, desviaram as poupanças dos americanos para destinos mais do que suspeitos e para opções de vida de que dificilmente se irão libertar. De repente, toda a gente quis viver nos subúrbios das grandes cidades, perto dos grandes centros comerciais, em vivendas uni-familiares todas iguais, todas feias e todas de baixa qualidade. De repente, toda a economia, perdida a indústria, assentava em empregos oriundos dos serviços (e por isso não verdadeiramente criadores de riqueza) e, de repente também, o país via-se esmagado por um défice comercial de proporções nunca vistas.
E é assim que, depois de descobrirem que não são invulneráveis, os americanos estão a descobrir que, para além de gordos e empobrecidos, estão a seguir o guião de um modelo sem futuro.
É curioso como também nós, em Portugal, e na Guarda, estamos a seguir o mesmo modelo: centros históricos desertos, a população (super-endividada, gorda, prestadora de serviços, adepta fanática do consumismo lúdico) acumulada em subúrbios feios, com hipermercados e centros comerciais a nascerem como cogumelos por toda a parte. Há que aprender com os melhores, não é?
Sugestões:
Um livro: Histoire Morale et Immorale de La Monnaie (René Sédillot, Paris 1989). Este comprei-o ao preço da chuva nos saldos de um hipermercado qualquer, vantagens da globalização e da generalização da ignorância sobre o valor das coisas. Nesse livro li as histórias de John Law, precursor da especulação bolsista, e de Robert Harley, seu contemporâneo e precursor dos esquemas fraudulentos em pirâmide. Nos últimos dias tem-se falado muito da Dona Branca a propósito da Sofinsa e do Fórum Filatélico, versões modernas do mesmo esquema. Alguém se lembra do “Katekero” dos anos setenta?
Uma doença: gripe das aves (Mundo Inteiro, editora Pandemia, 2006). Já não interessa?
Por: António Ferreira