No passado fim-de-semana houve em Lisboa uma manifestação de simpatizantes da ideologia nacional-socialista. O país estremeceu. Não entendo a razão. Por serem nacionais e socialistas? O engenheiro Sócrates também diz que é as duas coisas e ganhou as eleições. É verdade que o primeiro-ministro não une os adjectivos com um hífen. Mas o cargo que ocupa leva hífen e não é desprestigiante por causa disso. Reformulando, liderar o governo não é muito abonatório, mas o desprestígio do cargo tem pouco a ver com o hífen.
Há quem chame aos manifestantes neo-nazis. Eu tenho alguma pena que nestes tempos que correm já não se invente nada. Há neo-conservadores, neo-liberais, neo-comunistas, luzes de néon e a expressão popular portuguesa “n’é, ó palhaço?”. Estes rapazes que se manifestaram contra a criminalidade estrangeira exageram, segundo me parece, no corporativismo. Alguns meliantes mais rapados chegaram mesmo a dizer que não é aceitável que a gatunagem estrangeira venha para Portugal tirar o lugar aos portugueses que há já muito tempo roubavam os seus concidadãos com brio. Eu, apesar de reaccionário, tenho uma costela cosmopolita. E acabo por preferir ser assaltado por um sem-abrigo romeno do que por uma seguradora portuguesa. Ainda bem que não estive o domingo passado no Martim Moniz, senão o meu nariz hoje seria parecido com uma peça de design de Philippe Starck. E pior do que isso, as seguradoras não aceitariam pagar uma plástica. Isto de ter uma coluna no jornal onde se escreve uma opinião coerente e consolidada pode ser perigoso. No caso deste texto, que além de não ser nenhuma opinião, não é coerente nem consolidada, corro sérios riscos de levar uns calduços à entrada da discoteca ou de ser chamado o Leonel Nunes da imprensa regional.
É verdade que os estrangeiros em Portugal não trazem boas recordações. Por exemplo, D. Afonso Henriques, filho de francês e galega, andou armado em cowboy e quando deu conta tinha um país novo nos braços. E agora, ele está cá para governar isto? Não, pois claro. Quando as dificuldades apertam, põem-se todos a andar daqui para fora. Razão tem o Joaquim de Almeida, que pediu a nacionalidade norte-americana.
Em entrevista à revista Pública, um porta-voz do movimento nacionalista – e esses movimentos são conhecidos por ter várias pessoas que portam coisas, como o estandarte, a voz, os aviões, etc. – disse uma verdade que os intelectuais escamoteiam há sessenta anos: Hitler era um humanista. No fundo, entre o Leonardo e o Adolfo, entre a Última Ceia e A Minha Luta, entre a ideia do helicóptero e o projecto do Holocausto as diferenças são mínimas. É como o pequeno passo que vai de uma estrofe de Herberto Hélder a um refrão de Hélder, o Rei do Kuduro.
A existência de pessoas com estes novos olhares sobre o mundo que se manifestaram em Lisboa contra a presença de estrangeiros em Portugal pode finalmente esclarecer o povo obscurecido que não morreram queimados em nenhuma câmara de gás seis milhões de judeus. E a culpa, segundo dizem, é dos americanos que não lhes deram tempo.
Hitler, um humanista preocupado e literato, é a imagem que todos temos do terno e adorado governante. Que transformou a Europa com o hífen do seu nacional-socialismo. Hífen, que como todos nos lembramos, o führer ostentava de forma ridícula no lábio superior como se fosse um bigode.
Por: Nuno Amaral Jerónimo