Arquivo

Um grito de esperança

“Hip-Hope”, banda de música moderna da Cercig, estreia-se hoje no auditório da Sub-Região de Saúde da Guarda

“Estamos aí para o que der e vier”, podia ser o slogan de uma campanha publicitária, mas é o refrão da música original do grupo “Hip-Hope”, da Cercig. A banda mostra como se pode fazer uma vida e como se pode cantá-la. Como se caminha sem andar, como se ultrapassam barreiras. A estreia é hoje, às 11h30, no auditório da Sub-Região de Saúde da Guarda. Os últimos ensaios foram vividos com algum entusiasmo e um nervoso miudinho. Os protagonistas dançam e sorriem, partilham da emoção de dar e receber uma lição de vida.

Pedro (teclas), Rui (pandeireta), Luís Filipe (bateria), Vânia (baixo), Vasco Costa (voz), João Pedro, Paulo Gabriel, André Trigo e Carla Martins (coro), formam os “Hip-Hope”. Todos têm em comum o gosto pela música, algumas limitações motoras, psíquicas ou físicas, e ainda uma grande força de vontade e esperança. O grupo começou a dar os primeiros passos há quase um ano e vai subir ao palco pela primeira esta manhã, actuando perante o olhar clínico de vários intervenientes, no âmbito de um encontro transfronteiriço promovido pela Sub-Região de Saúde da Guarda. Trata-se de um projecto musical diferente, uma vez que envolve um grupo de jovens da Cercig. Através de uma performance musical que explora novas abordagens tecnológicas, pretendem promover a pessoa com deficiência enquanto agente cultural. Os elementos da banda vêm de todas as valências da instituição, desde a educativa, à actividade ocupacional até à formação profissional. Chamam-se “Hip-Hope” «porque foi o nome que nos veio à cabeça e também porque significa esperança», conta Pedro.

Entretanto, já começaram a trabalhar temas originais. “Estamos aí” é o nome da música do Pedro. «Foi toda escrita por mim, quando tinha tempo livre», realça o jovem, orgulhoso, enquanto trauteia a letra de cor e salteado. Agora a sua rotina entre o trabalho, a Cercig e casa «já não me deixa tempo para estas coisas», garante o aluno, que foi integrado na vida profissional. Mas, à segunda e quinta-feira, ao fim do dia, o Pedro não falta aos ensaios, porque «este é um momento de “relax”», considera o jovem que só «curte» Da Weasel. Já a Carla entrou para o grupo porque gosta de cantar e adora dançar, enquanto o Luís é um baterista nato. E o Vasco canta, preso a uma cadeira de rodas. Todos têm as suas dificuldades, mas cada um aproveita as suas potencialidades e adapta-as ao seu gosto. Ricardo T. é o responsável musical, juntamente com a professora Ana Clara. Ensinam as notas, os tempos e as pausas musicais, com cautela e pausadamente. O barulho desenfreado que sai da sala improvisada, onde decorrem os ensaios, faz com que não se oiça mais nada à volta. Na parede está pendurada a bandeira multicolor ostentando o nome da banda e alguns recortes ou fotografias do grupo. Ricardo, como maestro, está em pé e acompanha-os com a voz e a guitarra.

A primeira música já está bem treinada. Trata-se da adaptação de um “rap” contra o tabaco que fizeram para um vídeo-clip, em parceria com a Sub-Região de Saúde da Guarda, no âmbito de uma campanha anti-tabagista. «Que agora vai ser divulgado junto das escolas do concelho, no próximo dia 17 de Novembro – Dia do Não Fumador», destaca o director musical. Nesta primeira fase o grupo é formado por nove jovens com algumas limitações a nível musical: «A maioria não sabia tocar nenhum instrumento, à excepção do Luís, que é um baterista nato», recorda o responsável. Os restantes elementos da banda não são músicos, «o que torna as coisas mais complicadas, mas com trabalho e dedicação tudo se pode fazer», garante. «Estamos a começar do zero», diz Ricardo, que vê este projecto como um desafio. Perante a grande estreia, «os alunos estão um pouco inquietos e a expectativa é grande, também é a primeira vez que vão actuar para uma plateia», revela. Entretanto, os acordes continuam e no final do ensaio ainda há tempo para tocar a nova música. «Essa ainda não sei muito bem», atira João Pedro. «Para a próxima têm que trazer o caderno de apontamentos com as letras», relembra Ricardo. «Eu também não sei», confessa Vânia. «Mas, são só cinco notas não é nada complicado», encoraja o responsável. Com algumas notas soltas e outras palavras esquecidas, a música lá acabou por sair. E o resultado final chegou ao ouvido como um grito de esperança.

Os 5ª Punkada poderão “apadrinhar” a banda

«Havia um que gostava de tocar bateria, outro que gostava cantar, então decidiu-se criar um grupo, que seja a imagem de marca da instituição», conta o presidente da Cercig, Vergílio Bento. Os principais objectivos deste projecto são permitir o contacto das pessoas com deficiência com as novas tecnologias aplicadas à música e mostrar à comunidade em geral as suas potencialidades. O presidente da instituição acredita por isso que, «num futuro muito próximo», o grupo venha a ser apresentado à população em geral, assegura o responsável, com um convidado muito especial para apadrinhar a banda, «como os 5ª Punkada, e depois pensamos em vir a integrar o projecto Andarilho», revela. «Foi uma forma de estimular estes jovens para a música», acrescenta, não se cansando de realçar a dedicação e o empenho dos alunos. Tudo começou com a candidatura do grupo ao projecto “Emergências”, lançado pela Câmara da Guarda. Agora, um ano depois, o “Hip-Hope” começa a ganhar forma e até já compõem músicas originais. A banda de música moderna, tal como o rancho folclórico, entre outras actividades lúdicas, pretendem responder às necessidades dos utentes e «libertar esta casa de um certo estigma social que ainda se vive», lamenta Vergílio Bento, «devemos fazer com que estes jovens sejam cidadãos de pleno direito, que o são», frisa. De resto, nos últimos anos, a Cercig duplicou o número de utentes e também as actividades. Em concurso já está também o picadeiro para avançar com a «hipoterapia», adianta o responsável.

Patrícia Correia

Sobre o autor

Leave a Reply