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Um fio fácil de tecer

A fábrica de cobertores Artur Freire ainda mantém viva a tradição têxtil em Maçaínhas

Em Maçaínhas, nos anos 40, quase todas as famílias tinham um tear em casa para fazer as suas mantas e havia mesmo algumas pequenas fábricas. Hoje, só José Pires Freire e outro artesão, José de Almeida Tavares, se dedicam na aldeia àquela actividade ancestral. Com algum custo, e pouca recompensa, ainda fabricam os famosos cobertores de papa feitos com lã churra de ovelha. Na antiga fábrica só se ouve o burburinho das máquinas e da lã que nelas se entrelaça. Trata-se de um processo moroso que dá origem aos cobertores ou mantas, pequenas ou grandes, às riscas ou lisas, acastanhadas ou multicolores. Uma tradição para todos os gostos e feitios.

A fábrica de cobertores Artur Freire fica à beira da estrada, já no centro da povoação. «Antigamente, todas as fábricas estavam instaladas, lá em baixo, junto ao rio Mondego, pois não havia força motriz para trazer a água para cima», recorda José Pires Freire. O antigo edifício cinzento ainda ostenta o nome do seu pai, que herdou por acaso: «Todos os meus irmãos estudaram e foram para fora. Fui o único que ficou por cá», revela, com orgulho, o artesão, que desde 1976 faz daquela arte o seu ofício. A industria têxtil em Maçaínhas remonta ao tempo de D. Sancho II. No reinado de D. José (1758), com o Marquês de Pombal, esta indústria desenvolveu-se na zona da Covilhã e da Guarda: criaram-se novas fábricas e contrataram-se artífices no estrangeiro. Ao que tudo indica, foi um tecelão da Covilhã que levou os seus conhecimentos para aquela localidade e desde logo a produção de cobertores de papa se tornou um costume. Contudo, nos últimos anos as coisas mudaram. As empresas alargaram horizontes e mercados, os teares transformaram-se em grandes máquinas eléctricas e já são poucos os artesãos que continuam a fazer os famosos cobertores de papa. Só dois em Maçaínhas e outros tantos nos Trinta.

No caso da Artur Freire só há um tear artesanal a funcionar, já que os outros estão desmontados por falta de peças. Mas há mais teares na sala ao lado, os mecânicos, onde se fazem os cobertores e as mantas mais coloridas. «A procura é fraca, mas ainda vai dando para manter a empresa de pé», garante o artesão. No armazém há agasalhos para todos os gostos e feitios, mas os mais garridos ganharam o nome de mantas “espanholas” ou “amarelas”. Eram estas as mais vendidas antigamente, sobretudo nas feiras raianas ou no Ribatejo, pois eram utilizadas pelos campinos. «Nessa altura havia muitas encomendas, mas mesmo essas tradições vão-se perdendo», lamenta. Os cobertores de papa só se fazem no velho tear e com lã churra, uma vez que «é a mais grosseira e comprida», explica José Pires Freire. Dantes, era aproveitada a lã local, mas como os rebanhos já por ali escasseiam, a matéria-prima compra-se agora em Castelo Branco. Só o processo de fabrico pouco mudou. «Ali, é onde a mulher enche as caneleiras», diz apontando para o velho tear, «quando ficam cheias coloca-as na lançadeira e o homem executa o trabalho com vários movimentos, em simultâneo», exemplifica José Pires Freire.

«Acolá, abre-se para o fio passar, o homem agarra na pegadeira e faz o movimento de puxar para lá e para cá», cantarola o artesão, como se fosse uma música que conhece de cor e salteado. «O funcionário faz um corte, por dia, à vontade», assegura o proprietário. «Não há muitos segredos, é fácil tecer», adianta. Hoje, só fabricam um único modelo, pois estes cobertores já não se usam nas «largas» camas modernas, lamenta. O cobertor é depois lavado numa máquina e, no final, é estendido ao sol. Ainda hoje se vendem alguns cobertores de papa aos poucos pastores que preferem estas mantas, «mas estas actividades têm os dias contados», acredita ao ver diminuir os rebanhos e desaparecer os pastores. «Tanto a pastorícia, como o têxtil, são actividades em vias de extinção», sentencia o artesão.

Museu de Tecelagem nos Meios abre ao público

A antiga fábrica de cobertores de papa na aldeia de Meios, concelho da Guarda, comprada pelo Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE), vai finalmente abrir as portas como um espaço museológico e uma pequena oficina de produção. Ao que tudo indica, o Museu de Tecelagem ainda será inaugurado este mês, depois de ultrapassados alguns obstáculos, nomeadamente os atrasos e o bloqueio de algumas verbas do programa comunitário Leader II.

O projecto já tinha sido aprovado pelo programa comunitário “Leader” pela Adruse em 98, altura em que a Guarda ainda fazia parte da Associação de Desenvolvimento Rural da Serra da Estrela, mas sem financiamento. Entretanto a candidatura da ProRaia ao financiamento do “Leader” foi aprovada e o plano seguiu o seu natural rumo. O edifício é pertença do Parque Natural da Serra da Estrela, que protocolou a cedência com a Câmara da Guarda para dar vida àquela que foi em tempos uma fábrica de lanifícios. O objectivo é criar um museu vivo, dividido em três pisos com 140 metros quadrados cada. O piso zero destina-se à exposição de peças ligadas à actividade de tecelagem, bem como painéis informativos e ilustrativos. Este espaço albergará ainda um “cybercafé”. No piso um localiza-se a área administrativa, com acesso directo pelo exterior, e a zona dos teares. Ali encontrar-se-ão teares originais que serão recuperados para posterior utilização na produção artesanal dos tradicionais cobertores de papa, perpetuando assim a tradição. Já o segundo piso está destinado exclusivamente a arrumos do museu. Dividida em partes museológica e de fabrico e venda, a nova casa cultural do concelho da Guarda pretende ser um pólo de atractividade turística numa zona com um património paisagístico extraordinário, de forma a dinamizar a economia local daquele núcleo de freguesias da Serra. A obra custará 192.400 euros, sendo 75 por cento pagos pelo “Leader” da ProRaia e 25 pela Câmara da Guarda.

Patrícia Correia

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