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Um erro clamoroso

Terminou a discussão e aprovação do Orçamento do Estado para 2004. Pelo segundo ano consecutivo o Governo PSD/PP e a sua maioria parlamentar defraudaram as legítimas expectativas das populações do interior.

É preciso recordar que nesse já tão distante Inverno de 2002, tanto Durão Barroso como a líder distrital do PSD, disseram “cobras e lagartos” das políticas de discriminação positiva para o interior, concretizadas pelos Governos de António Guterres, e prometeram “mundos e fundos” às famílias, aos empresários e às instituições do interior de Portugal. Ora, dois anos passados, começa a ficar claro que o actual Governo e os seus representantes parlamentares distritais têm, para o interior do país, uma “mão cheia de nada” e outra de “coisa nenhuma”.

Para além dos expressivos exemplos do PIDDAC, tanto em 2003 como em 2004, o caso mais recente e evidente de desprezo, insensibilidade e incapacidade para uma política de interioridade autêntica, foi a não renovação total e ampliada do sistema de incentivos fiscais para atrair investimento para o interior, criado no Orçamento de Estado para 2001.

O Governo começou por deixar cair o sistema na proposta de lei do OE-2004. Depois de, no debate da especialidade, ter ficado claro que o Governo não tinha querido saber como era possível renovar esse sistema, acabou por fazer meia “marcha-atrás” mantendo apenas a tributação a 15% para as micro-empresas submetidas ao regime simplificado de tributação, mas recusando a proposta que eu próprio e outros deputados do PS fizemos, no sentido de ser imediatamente reduzida para 20% a taxa geral de tributação de IRC para todas as empresas sediadas no mapa da interiordade e das áreas deprimidas recentemente apresentado por Daniel Bessa, a pedido do actual Governo.

Continuo sem perceber porque é que o Governo e a maioria recusaram esta proposta. Ela beneficiaria cerca de 36 mil empresas, envolvendo cerca de 75% do território nacional mas apenas 25% da população, ficando assim bem patente a sua natureza de discriminação positiva.

Também não colhe o argumento de que a despesa fiscal não seria suportável: ela não representaria mais de 1% do total da receita de IRC. A redução de 5% feita para o IRC, em todo o país, gera uma despesa fiscal superior a 10% da receita de IRC e, nem por isso, o Governo deixou de a tomar.

Finalmente, é improcedente qualquer invocação das dificuldades que a Comissão Europeia pudesse vir a levantar à renovação do sistema. Como ficou demonstrado nas negociações que, em 2000/2001, conduzi no exercício das funções de ministro das Finanças, o volume de despesa fiscal gerado por uma taxa de tributação inferior em 5% à taxa geral, é enquadrável num regime de ajudas de Estado que não precisam de ser nem notificadas nem autorizadas pela Comissão Europeia (regime de “minimis”).

A conclusão a tirar deste processo é que faltou real vontade política ao Governo para renovar o sistema de tributação em IRC mais favorável para as empresas do interior. O “recuo” em relação às micro-empresas emendou “metade do erro”. Mas nem por isso deixou de continuar a ser um erro clamoroso a outra “metade” que ficou por emendar.

Por: Joaquim Pina Moura

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