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Um dia memorável

O dia 10 de junho de 2014 fica para a posteridade como uma data memorável na história contemporânea da cidade da Guarda.

As comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas foram um grande momento da portugalidade e foram, ainda mais, uma extraordinária manifestação de vida da região da Beira e Serra da Estrela, do concelho e da cidade da Guarda.

Nunca é demais repeti-lo, durante muitos anos a região foi votada ao ostracismo, com raras oportunidades de afirmação e poucos motivos de festa. O interior foi há muito abandonado e a “desertificação” tomou conta deste vasto território. Por isso, ou também por isso, as manifestações de vitalidade e energia a que assistimos por estes dias deixam-nos arrebatados por uma nova esperança – foi uma prova de vida a que a Guarda viveu nos dias 9 e 10 de junho de 2014, e superou-a!

Como em 1977, o povo saiu à rua “como nunca” e milhares de pessoas calcorrearam cada pedaço do Parque Urbano à procura de consolo, de sinais, de sentido para ficarem, quando tantos lhes dizem para partir. Pode ter sido de forma irrefletida, como diversão ou contacto com os meios das Forças Armadas, mas o povo invadiu o Parque Urbano porque ainda acredita na Guarda, na região e no país.

Podemos fazer as mais diversas leituras sobre as comemorações, e até apresentarmos os habituais argumentos sobre a despesa ou os excessos, mas uma comunidade tem o direito e a obrigação de celebrar o seu dia – a austeridade não pode aniquilar tudo. E se é verdade que são as cidades do interior que mais valorizam estas jornadas, isso acontece porque foram vilipendiadas e só lhes resta agarrarem-se aos momentos de júbilo como se eles significassem uma vitória ou uma honesta alavanca de afirmação cultural, social e económica.

Como disse o Presidente da República, as populações que vivem no interior do país «têm a esperança de que o próximo programa de financiamento europeu implique um novo olhar às assimetrias de desenvolvimento e ao problema do despovoamento». É porventura a última réstia de esperança para quem teima em viver no interior – «é o caminho no sentido da concretização do direito à esperança».

Podem ter de passar mais 37 anos para que a Guarda volte a ter o seu dia “inesquecível”, mas vale mais ter um dia assim do que continuarmos a padecer por nada ter.

PS: No dia 10, enquanto Cavaco Silva discursava, um grupo de sindicalistas “torpedearam” as palavras do Presidente da República com ruído e palavras de ordem (do género: “governo para a rua”…). Aquilo que para os manifestantes foi uma vitória (não se sabe contra o quê ou contra quem) para os cidadãos que queriam assistir em paz às comemorações foi um atentado à liberdade – porque a liberdade de uns acaba onde começa a liberdade dos outros e, neste caso, o direito à liberdade de manifestação colidiu com o direito à liberdade individual de assistir às comemorações e ouvir as palavras do Presidente da República. Os sindicalistas podiam ter optado por se manifestar antes ou depois; podiam ter-se barricado simbolicamente no interior de algum edifício público (como fizeram, e bem, no dia anterior os presidentes de Junta na Covilhã em protesto contra o fecho de escolas); podiam até ter-se deitado na estrada de acesso à parada e assim afirmarem a sua mensagem, mas não, optaram pelo mais fácil, exibirm o vil desprezo pela liberdade dos demais. Dispensável.

Luis Baptista-Martins

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