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Um debate estimulante?

Razão e Região

No mesmo ano em que se comemora os vinte anos da Carta Europeia da Autonomia Local ocorrem em Portugal novas eleições autárquicas. Comemoramos, assim, exercendo a cidadania lá onde ela é mais concreta e mais exigente em relação ao exercício do poder. Porque é nesta escala que a democracia representativa se forja. Onde se debate ideias, mas também onde as pessoas mais contam. Onde se executa grandes obras, mas também onde a gestão quotidiana se faz sentir com mais força. Ou seja, no plano autárquico a democracia representativa ganha mais intensidade. Porque a dimensão comunitária é aqui a dimensão fundamental. Os rostos que protagonizam projectos são avaliados num plano de maior proximidade. As ideias são sempre referidas à própria credibilidade pessoal de quem as enuncia. E os projectos são sempre referidos, pelos cidadãos, às suas reais necessidades. A capacidade de inovação, a seriedade política e a dedicação ao serviço público são sempre julgadas com a memória de quem vive directamente os problemas, de quem se relaciona regularmente com a administração e de quem conhece pessoalmente os protagonistas que se candidatam.

Pois bem. Segui, com a atenção e o respeito que me merecem os adversários, a apresentação da candidatura do PSD à Câmara Municipal da Guarda. E não vou dizer o mesmo que um famoso professor disse de um examinando: «você tem muitas ideias boas e originais. Só é pena que as ideias originais não sejam boas e que as ideias boas não sejam originais». Não! Nem isso vou dizer. O que digo é que não me apercebi, no discurso dos protagonistas, da existência de uma ideia estratégica e mobilizadora para a Guarda. De uma orientação estrutural para o desenvolvimento. Na verdade, das ideias avulsas apresentadas, muitas não são, de facto, originais. Lembro-me, por exemplo, da «Estrada Verde», que resultou, creio, de um protocolo assinado, já durante o segundo governo de António Guterres, entre os Ministérios do Planeamento, do Ambiente e das Obras Públicas. Lembro-me também que Joaquim Valente, oito dias antes, já garantira, publicamente, aos candidatos do PS às Juntas de Freguesia que dará continuidade ao processo de revisão do PDM de modo a garantir a resolução dos problemas que mais os preocupam. Mas também me lembro, em relação aos incêndios e à floresta, que o Governo de Durão Barroso, pouco tempo depois de tomar posse, acabou com a CNEFF e com a prevenção dos fogos florestais. Mais me lembro do ardente desejo do então Ministro Adjunto de Durão Barroso de acabar de vez com o «Polis», um programa precisamente vocacionado para a requalificação dos centros urbanos. E recordo-me também que as ligações da cidade aos centros urbanos rurais – de que se falou, como orientação estratégica, na apresentação da candidatura do PSD – afinal já tinham sido delineadas e até executadas pelo executivo socialista, como eixos rodoviários principais. Cito, a título de exemplo, o eixo Guarda-Marmeleiro e o eixo Guarda-Rochoso. Dos ministros da Administração Interna do PSD só me lembro dos «Secos e molhados», de polícias a baterem em polícias, e das super esquadras. Não tenho ideia, em matéria de segurança, de nenhum projecto do Dr. Dias Loureiro para resolver os problemas da Guarda. Bem pelo contrário, foi o Ministro Jorge Coelho que, em 1999, assinou um protocolo com vista à resolução do problema das instalações das forças de segurança. Sendo, para tal, necessário proceder à construção de um novo quartel para a GNR, a CMG adquiriu o terreno, tendo sido, depois, elaborado o projecto (se não erro em 2001). Com o governo do PSD este processo parou. Com a ajuda do Dr. Dias Loureiro, a Guarda, de facto, não avançou.

A grande ideia estratégica da candidatura do PSD parece ser a de que os socialistas estão há muito tempo no poder na Guarda. Mas por que razão os eleitores lhes têm vindo a reiterar a confiança durante tanto tempo? Porque têm vindo a governar mal? A verdade é que o Concelho da Guarda tem sido governado por pessoas competentes, dedicadas e movidas por ideais generosos. A nova equipa que agora se candidata quer dar-lhe um novo impulso, abrindo horizontes, reforçando e projectando uma orientação estratégica fundamental que já tem os seus alicerces lançados quer no plano do conhecimento quer no plano logístico, num conceito que já aqui defini como «Plataforma ibérica». Uma plataforma para onde converge um robusto eixo económico centrado quer no conhecimento quer nas comunicações rodoferroviárias. Uma plataforma que integra e projecta esse valor acrescentado que decorre da posição estratégica que a Guarda ocupa. Ora aqui está uma ideia mobilizadora para o desenvolvimento. É em torno desta ideia que ganham sentido a qualificação da gestão autárquica, a qualificação dos centros urbanos, um novo impulso na paisagem comunitária rural, um novo impulso na projecção nacional do Concelho. Um esforço concentrado de eixos estruturantes em torno de uma ideia mobilizadora para o desenvolvimento.

Outra coisa são ideias avulsas. E outra coisa são iniciativas concretas para resolução de alguns problemas bem delimitados. E esta foi a magra dimensão do discurso da candidatura do PSD: ou pela negativa ou por simples propostas avulsas sem uma ideia estratégica que lhes dê sentido.

A vinte anos da Carta Europeia da Autonomia Local seria mais interessante podermos exercer a cidadania de forma dialecticamente mais rica, mais inovadora e intelectualmente mais estimulante.

Por: João de Almeida Santos

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