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ULS da Guarda acusada de «concorrência desleal»

Em causa o facto de utentes de Seia e da Guarda terem de fazer análises clínicas nos hospitais em detrimento de laboratórios privados

«Ninguém me pode obrigar a fazer análises onde eu não quero». É deste modo que um utente de Seia reage à alteração imposta pela Unidade Local de Saúde (ULS) da Guarda para a realização de análises clínicas. Em vez de se dirigirem a um laboratório privado com a credencial passada pelo respectivo Centro de Saúde, os utentes são agora forçados a fazer a recolha de sangue e urina nos Hospitais da Guarda ou Seia, os dois concelhos para já abrangidos com esta medida que está a merecer também a contestação dos empresários do sector.

O responsável por um laboratório de Seia, que não quis ser identificado, explicou a O INTERIOR que «o doente é obrigado a fazer as análises com credenciais devidamente carimbadas e com a exigência de que sejam feitas pelo hospital», denuncia. Uma prática que terá começado em Abril, sendo que «a colheita é feita no próprio Hospital de Seia e a análise feita no Hospital da Guarda». Um procedimento, que na opinião deste empresário, representa um caso de «concorrência desleal e directa» aos privados, recordando que «os laboratórios têm uma convenção com o Estado» e a «Lei de Bases da Saúde define que haja liberdade de escolha por parte do doente». Por outro lado, considera que com o actual procedimento «perde-se celeridade e rapidez» na feitura dos análises e deixa duas questões no ar: «Será que o Estado está a economizar ao tomar esta medida? Qual é o benefício dos utentes?», interroga, temendo um «estrangulamento dos laboratórios, sem com isso se realizar um melhor serviço».

Confrontado com as reclamações de utentes (ver caixa) e proprietários de laboratórios, o Conselho de Administração (CA) da ULS esclarece que a sua criação «inaugurou uma nova etapa na complementaridade entre hospitais e Centros de Saúde». Esta é uma realidade que «permite que as estruturas partilhem as diversas valências dentro da instituição», numa estratégia que deverá aplicar-se «sempre que exista capacidade instalada para responder com qualidade e rapidez às diversas solicitações, em prol das populações e do aproveitamento dos recursos públicos», esclarece o CA em comunicado.

Medida permite «grande poupança orçamental», segundo a ULSG

A decisão de «centralizar nos serviços de Patologia Clínica» dos dois hospitais a realização dos exames requisitados pelos Centros de Saúde a entidades privadas deve-se «à existência da referida capacidade de resposta em qualidade e rapidez, ao mesmo tempo que permite a maximização e rentabilização dos recursos da ULS». De resto, a administração «lamenta os inconvenientes que esta situação cria aos seus parceiros privados, mas não pode deixar de viabilizar a utilização dos seus meios, para não pôr em causa o racional aproveitamento dos recursos do sector público e cumprir a legislação que estipula que o recurso aos serviços prestados através de convenção não pode pôr em causa o racional aproveitamento da capacidade instalada no sector público». Reforça ainda que a decisão corresponde a «um mero acto de gestão» que «em nada afronta as estipulações das convenções celebradas pela Administração Regional de Saúde (ARS)». O CA reforça que estas tiveram por objectivo «possibilitar às entidades do Serviço Nacional de Saúde recorrerem aos serviços de privados, quando apenas não possuam capacidade de resposta instalada de forma a contribuir para a prontidão, continuidade e qualidade da prestação de cuidados de saúde». Neste âmbito, ao integrarem a ULS, os Centros de Saúde passaram a dispor «de capacidade instalada para a realização de análises clínicas». E esclarece ainda que os laboratórios são «os que sempre existiram nos dois hospitais», tendo passado «a fazer as análises requisitadas pelos Centros de Saúde no segundo trimestre deste ano». Por último, assegura que a medida não envolveu nenhum investimento em instalações, equipamentos ou recursos humanos, porque «se limita a aproveitar o que já existia nos dois hospitais». Além disso, permite «uma grande poupança orçamental» que a ULS «poderá canalizar para o tratamento de doenças que exigem esforços financeiros mais elevados».

Utentes não encontram «nenhuma vantagem» na mudança

Com a alteração introduzida pela ULS, Maria Dulce Sequeira, ex-emigrante nos Estados Unidos, teme ter que voltar a sair do país, uma vez que padece de uma doença rara, a “maistenia gravis”, que «está controlada», mas que a obriga «a fazer análises ao sangue todos os meses» a pedido do seu médico americano. «As minhas análises são muito caras, eu não posso estar à espera e no laboratório onde costumo ir explicam-me os resultados. No hospital, tenho de marcar hora para me tirarem o sangue e não me sinto à vontade para pedir que me expliquem os resultados», refere a utente de 65 anos.

Maria Dulce Sequeira explica que as credenciais são carimbadas na extensão de São Romão, tendo depois que se deslocar ao Hospital de Seia para a recolha de sangue e sabe «que os resultados demoram a vir». Perante este cenário, e caso o sistema se mantenha, equaciona ter de voltar para os EUA, pois garante que «sem análises todos os meses é que não posso passar».

Outro utente do concelho é José Manuel Coutinho, que não vê «nenhuma vantagem» nesta mudança: «Sou obrigado a fazer análises onde não conheço as pessoas e não sei para onde vai o sangue e a urina», queixa-se. «As coisas vão daqui para a Guarda aos tombos e sujeitas ao calor e sei lá se não mas trocam», receia. Considera que «ninguém me pode obrigar a fazer análises onde eu não quero», lamentando que «tenham tomado esta medida sem consultar os doentes previamente». Já o médico José Alberto Canhoto garante que sempre se opôs a «este tipo de situações», pois «se as pessoas têm uma convenção é para a exercer». Por outro lado, «os utentes devem ter liberdade de escolha», sublinha, uma vez que «ninguém pode ser obrigado a fazer análises onde não quer». Por exercer funções na extensão de saúde de Torroselo (Seia), a situação ainda não se colocou e garante que não se colocará: «A mim não me obrigam a pôr carimbos em lado nenhum. Não me pagam para ser carimbador, mas para tratar os doentes», afirma.

Ricardo Cordeiro Medida poderá provocar um «estrangulamento dos laboratórios», temem empresários

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        desleal»

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