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Trinta vive dias negros

Trabalhadores de duas das quatro fábricas têxteis que laboram na aldeia do concelho da Guarda têm dois meses de ordenado em atraso e suspenderam contratos de trabalho

A crise do sector têxtil chegou aos Trinta. A aldeia do concelho da Guarda foi passando ao lado de falências e encerramentos de empresas, mas vive agora dias difíceis. Esta semana cerca de 100 trabalhadores de duas das quatro fábricas a laborar na localidade – a Efilã e a Jopilã – pediram a suspensão dos contratos de trabalho, numa altura em que contabilizam dois meses de ordenados em atraso. A “aldeia dos têxteis e da luz” – como indica uma placa à entrada da localidade – parece ter os dias contados.

Na última terça-feira, os operários da Jopilã reuniram com o sindicato à porta da empresa e formalizaram o pedido de suspensão dos contratos a partir de dia 14, com base na lei dos salários em atraso. A maioria dos 40 funcionários estão na casa dos 40 e 50 anos de idade – o mais novo já leva 20 anos ao serviço da empresa. Tudo começou há um ano atrás, quando a fábrica, que laborava com dois turnos (das 6h30 às 15 horas e das 15 às 23h30) passou a funcionar apenas com um (das 8 às 17 horas). Estava-se a 19 de Março de 2007. «Foi o princípio do fim», recorda Helena Morgado, uma das funcionárias. Por esses dias, a administração reuniu com os trabalhadores para explicar «que as coisas não estavam a correr bem e que nos preparássemos para o pior», acrescenta a trabalhadora, natural da vizinha aldeia de Corujeira, que conta 37 anos de casa. Desde então houve «apenas silêncio» da parte dos patrões. «Há dias fomos almoçar e quando regressámos encontrámos um papel na porta a dizer que a empresa iria encerrar por falta de encomendas, entre 19 de Abril e 2 de Maio», continua. Todos se apresentaram ao trabalho na última segunda-feira, mas encontraram um novo “recado” da administração dando conta que, devido à falta de encomendas, a fábrica voltaria a encerrar por mais uma semana, de 5 a 9 de Maio.

Uma atitude da administração da Jopilã que o presidente do Sindicato dos Têxteis da Beira Alta (STBA) se recusa a aceitar: «O patronato não dialogou com ninguém, nem com os funcionários nem com o sindicato», acusa Carlos João. «É o exemplo dos empresários do sector que temos em Portugal. A grande maioria é assim: não dá a cara aos trabalhadores», prossegue. Convicto de que «a fábrica não deverá abrir mais», a solução passa pela suspensão dos contratos de trabalho: «O objectivo é que os funcionários possam receber, pelo menos, alguma coisa e daqui a um mês poderão rescindir contrato, se assim o desejarem», acrescenta. Reaver os dois meses de salários em atraso é outro dos objectivos, «mas quanto a isso só poderá ser encontrada uma solução quando a fábrica decidir o rumo a tomar: a insolvência ou a recuperação», adianta o dirigente sindical. Entretanto, alguns funcionários garantem que a Jopilã, que produz fios industriais e lãs para o sector têxtil desde 1910, já se desfez «das carrinhas e do fio que estava em armazém».

Efilã continua a laborar com cinco trabalhadores

Não muito longe dali, labora a Efilã, que também já viveu melhores dias. Vários trabalhadores relataram a O INTERIOR que, a pedido da administração, foram convocados para uma reunião com o delegado sindical, a 28 de Abril, onde lhes foi proposta «a suspensão do trabalho». Depois foi afixada uma lista com 37 nomes dos 59 operários da unidade. A estes, calhou a “sorte grande” de poderem continuar a trabalhar. Os restantes 22 suspenderiam o contrato a partir de 2 de Maio, segundo Carlos João. Contudo, «a lista não obedecia a qualquer critério, nem de antiguidade, nem de polivalência», assegura um dos funcionários, que pediu para não ser identificado. Pior, houve trabalhadores «que saíram da lista no final da reunião por se terem manifestado contra a postura da administração», refere. No entanto, a confusão foi de tal ordem que, no final do dia, «a lista desapareceu da mesma forma como tinha aparecido», garante.

O certo é que apenas cinco funcionárias aceitaram continuar a trabalhar, «estando sujeitas a todo o tipo de serviço», sublinha a mesa fonte. De resto, e segundo o STBA, a Efilã até já terá recusado encomendas por falta de mão-de-obra. «Gerou-se um clima de desconfiança e algum ciúme entre os trabalhadores», considera Carlos João. «Esta não é a decisão adequada, porque pelo menos 37 funcionários tinham trabalho assegurado e esta reviravolta pode levar o patrão a pensar em propor a insolvência», receia o sindicalista. Quanto aos funcionários que suspenderam o contrato, «continuam afectos à fábrica e podem vir a ser chamados caso chegue alguma encomenda». Entretanto, passam a estar inscritos no Centro de Emprego e recebem «um subsídio previsto para estas situações». Porém, o sindicato ainda tentou outra via. Carlos João refere que a melhor solução passaria por a empresa «rescindir contrato com alguns dos trabalhadores, até porque muitos deles já têm mais de 55 anos. Seria como que uma luz ao fundo do túnel», advoga.

Já os ordenados em atraso deverão ser pagos «até dia 19, altura em que chegará o pagamento de uma encomenda», segundo garantias dadas pela administração aos trabalhadores. Caso tudo se mantenha na mesma, sindicato e administração devem voltar a reunir a 2 de Setembro para fazer o ponto da situação. Até lá, esperar para ver é a postura da maioria dos trabalhadores das duas empresas. No entanto, na aldeia todos parecem acreditar que tudo «correrá pelo melhor». Esta é também a convicção de António Dionísio. O presidente da Junta dos Trinta sempre vai dizendo que, «pelo menos, a Efilã não deverá encerrar». O que é certo é que, caso o fecho das duas empresas se concretize, também as aldeias dos arredores irão ressentir-se. Muitos dos funcionários vêm dos Meios, Corujeira, Fernão Joanes ou Videmonte. «Estamos a voltar a passar por dias muito difíceis. No balanço habitual que o sindicato faz do sector, já tínhamos concluído ser uma surpresa que estas fábricas dos Trinta ainda estivessem a aguentar-se», confessa Carlos João. Alheias às dificuldades das fábricas vizinhas, na aldeia continuam a laborar a Têxteis Evaristo Sampaio e a Serralã, empregando cerca de 200 trabalhadores, que, por enquanto, ainda fazem jus à tradição da terra.

Trabalhadores da TSE de Gouveia recebem cartas de despedimento

Os 80 trabalhadores da empresa Têxteis Serra da Estrela receberam, na segunda-feira, as respectivas cartas de despedimento. A fábrica, sediada em Gouveia, deu sinal das primeiras dificuldades a 6 de Setembro do ano passado, quando os operários foram enviados para casa de férias, situação que apenas estava prevista para o final do ano. Em meados do mês passado, o Tribunal de Gouveia decretou a insolvência da fábrica que, desde 1999, funcionava na antiga Têxtil Lopes da Costa. Segundo Carlos João, a primeira Assembleia de Credores já está marcada para 16 de Junho.

Rosa Ramos

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