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Tribunal sem contemplações para Júlio Santos

Ex-autarca foi condenado a cinco anos e dez meses de prisão por corrupção passiva para acto lícito, branqueamento de capitais, peculato e abuso de poderes

«Assim se destrói a carreira política e a vida de quem tanto deu para o concelho». Sarcástico, polémico e provocador, Júlio Santos reagiu, na terça-feira, em comunicado, à condenação proferida na véspera pelo colectivo do Tribunal de Celorico da Beira.

Em duas páginas, o ex-autarca apresentou a sua versão dos factos, «a bem da verdade e da vergonha nacional», e aquilo que, na sua opinião, ficou provado em sede de audiência. Mas também confirmou que já recorreu da sentença, pois «impõe-se que justiça ainda se faça». No documento, Júlio Santos volta a invocar a tese do processo político, alegando que o objectivo era evitar que concorresse novamente à Câmara.

Para tal, acusa a PJ e o Ministério Público de terem montado «uma mega-investigação», que «nada de relevante» apurou a seu respeito. «O mesmo não sucedendo em relação a outras pessoas, mormente um empreiteiro de Seia [Fernando Gouveia], a quem a PJ tinha feito escutas telefónicas altamente incriminatórias para ele e não só», garante. «Mas porque, quem lhes interessava aniquilar, política e pessoalmente, era eu, ofereceram-lhe o estatuto de arrependido quando o constituíram arguido, pelo que o dito empreiteiro, porque se sabia entalado, tentou incriminar-me relativamente ao concurso da obra da Variante», acrescenta.

Como se não bastasse, segundo Júlio Santos, foi ainda «inventado uma mirabolante e estúpida história de um cheque que era para dar, mas não deu, ou se deu ninguém viu, mas estava mal preenchido. Assim como assim, deu para o MP me acusar por mais um crime de corrupção passiva para acto ilícito». Prosseguindo que, como «bem sabiam que também por aí nada me poderiam fazer, aproveitou o MP o facto da minha irmã estar a comprar um apartamento em Lisboa para o filho, na qual intervim a seu pedido, para me acusar do crime de branqueamento de capitais». Entretanto decorria uma peritagem ao fundo permanente da Câmara, «factura a factura», a cargo das Finanças, «à conta da qual vim também a ser acusado de três crimes de peculato». No final, Júlio Santos considera não ter sido provado que tivesse recebido dinheiro do empreiteiro, «que passou de testemunha a arguido durante o julgamento», lembrou.

Da glória à desgraça

Júlio Santos “destronou” Faria de Almeida, mas os seus mandatos ficaram marcados pela polémica e sentenças judiciais

Nascido em Prados, Júlio Santos, advogado formado em Lisboa, decidiu regressar a Celorico da Beira há cerca de 14 anos atrás e candidatar-se contra o “dinossauro” social-democrata Faria de Almeida. Poucos o conheciam então e lhe reconheciam capacidade para destronar o engenheiro, mas as dúvidas foram dissipadas por uma margem de 558 votos em 1993 e uma campanha envolta em polémica e factos.

Uma coisa é certa, Júlio Santos não voltou a deixar a cadeira da presidência da autarquia até 2002, ano em que renunciou ao cargo devido ao processo julgado na segunda-feira. Isto apesar do clima de guerrilha fratricida que foi alimentando com o seu adversário Faria de Almeida e a célebre Associação de Melhoramentos, Cultural, Desportiva e Recreativa do Concelho de Celorico da Beira (AMCDRCCB), mas também das desavenças com os eleitos em 1993 nas suas listas. Em Novembro de 95 protagonizou um episódio inédito, ao designar o social-democrata Fernando Figueiredo para seu substituto na presidência da Câmara enquanto esteve de visita aos Estados Unidos. Motivo: desconfiar dos vereadores eleitos pelo PS. O seu estilo peculiar acabou por lhe granjear inúmeros inimigos no seio do Partido Socialista distrital. Uma relação de amor-ódio aguçada no decorrer da campanha para a presidência da Federação da Guarda.

O ex-autarca e poeta chegou a tomar posições muito duras relativamente a Fernando Cabral e António José Seguro, desvalorizando a sua força política e denunciando a sua «subserviência» face a Lisboa. Em conflito aberto desde então, os desentendimentos culminaram no seu afastamento das listas PS nas autárquicas de 2001, um percalço que contornou ao candidatar-se pelo Movimento do Partido da Terra (MPT), tendo sido eleito para o seu terceiro mandato em Celorico da Beira. Já nas legislativas, Júlio Santos recusou receber os candidatos do PS devido à presença de Fernando Cabral. Contudo, três meses após tomar posse, já em 2002, foi suspenso preventivamente das suas funções de presidente da Câmara por alegadas irregularidades na adjudicação de duas empreitadas municipais. Um ano antes tinha sido condenado à perda de mandato por abuso de poder, no âmbito de uma queixa apresentada em 1999 por Faria de Almeida. Foi ainda condenado a 10 meses prisão com pena suspensa por coação a uma funcionária, por prestar falsas declarações e por difamar uma juíza.

Luis Martins

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