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Tribunal decreta falência da Gartêxtil

Comissão de credores vai reunir-se a 13 de Junho para conhecer o montante em dívida da empresa de confecções da Avenida de São Miguel

O Tribunal da Guarda já decretou a falência – ou insolvência, como agora se designa – da Gartêxtil, do grupo Carveste, encerrada desde Maio de 2002. A primeira reunião da comissão de credores, quatro trabalhadores e a Caixa Geral de Depósitos (CGD), está marcada para 13 de Junho, altura em que deverá ser analisado o primeiro relatório do administrador da insolvência. A rapidez da sentença, datada de 11 de Abril, surpreendeu o advogado dos trabalhadores, António Ferreira, uma vez que o pedido de falência deu entrada no final de Março. Contudo, ao juiz parecem ter bastado 15 dias para constatar a impossibilidade da empresa de confecções da Guarda-Gare poder pagar o que deve.

No caso dos trabalhadores, são salários em atraso, subsídios de férias e de Natal, bem como as indemnizações devidas aos cerca de 170 funcionários por despedimento. Pelas suas contas, o valor total será superior ao milhão de euros, mais outros valores acumulados que não foram pagos. Quanto à CGD, desconhece-se por enquanto o montante da hipoteca sobre o prédio da Gartêxtil. O tribunal concluiu de resto que a empresa tem como único património o imóvel onde laborava e a maquinaria, mas que «não tem possibilidades económico-financeiras para solver as suas obrigações», refere o acórdão a que “O Interior” teve acesso. Igualmente dado como provado é o facto daquele património ser «insuficiente» para fazer face a todas as suas dívidas, tendo o juiz deixado bem claro que foi «impossível encontrar qualquer administrador ou responsável, que pudesse assumir o cumprimento das obrigações», uma vez que todos renunciaram e cessaram funções em Maio de 2002, «conforme certidão da Conservatória do Registo Comercial». O juiz decretou ainda a apreensão dos registos de contabilidade da Gartêxtil e de outros documentos de gestão, que não foi possível encontrar até ao momento, bem com de todos os seus bens.

«Daqui a um mês se saberá o montante das dívidas» acredita António Ferreira, que está agora mais preocupado em conseguir que o Fundo de Garantia Salarial adiante algum dinheiro aos trabalhadores, a maioria dos quais já perdeu o direito ao subsídio de desemprego. Trinta dias é também o prazo dado aos eventuais credores da fábrica para reclamarem os seus créditos, findo o qual se poderá provavelmente iniciar a vendo do património da falida. «O edifício pode e deve ser vendido. Contudo, consideramos que os créditos dos trabalhadores devem prevalecer sobre a hipoteca da CGD», refere o advogado. Um assunto que deverá dar origem a outro processo judicial para apurar quem vai ter prioridade no pagamento das indemnizações. É que um acórdão do Tribunal Constitucional (TC) considera inconstitucional a prioridade dos créditos dos trabalhadores num processo de falência com hipotecas à banca. Uma sentença de 2002 tem vindo a fazer jurisprudência em casos semelhantes e foi aplicada no processo das Confecções Ranking, no Soito (Sabugal), em Novembro do ano passado.

O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) recorreu a esta decisão para validar a argumentação da CGD de que a prioridade concedida aos trabalhadores «afecta gravemente os legítimos direitos do credor hipotecário com registo», uma vez que, ao serem colocados em primeiro lugar, se estão a violar os «princípios da confiança e segurança, proporcionalidade e igualdade» previstos na Constituição, porquanto os créditos dos funcionários da Ranking não podem «ser oponíveis a quaisquer direitos reais anteriores ou posteriores aos débitos garantidos», isto é, à hipoteca. Um cenário que começa agora a pairar sobre a empresa de confecções da Avenida de São Miguel.

Advogado defende procedimento criminal contra administradores

António Ferreira defende o procedimento criminal contra os últimos responsáveis da Gartêxtil por considerar que «prejudicaram os credores, a massa falida e os trabalhadores». Para além disso, receberam dinheiros públicos «de que devem prestar contas», sublinha. O advogado não esquece também que houve perdão de dívidas e que os funcionários abdicaram de 90 por cento das suas remunerações em atraso para viabilizar a aquisição da fábrica pela Carveste em 1998. «Há muita coisa por explicar, pois não se percebe que a empresa tenha encerrado quatro anos depois de ter sido apoiada financeiramente pelo Estado», refere. À falta de elementos, sobra a história. O fecho inesperado da Gartêxtil, em Maio de 2002, uma das principais empregadoras do concelho, apanhou a cidade de surpresa. A administração demitiu-se de funções, numa altura em que já não tinha encomendas nem tecido em armazém, deixando as cerca de 190 trabalhadoras no desemprego. Foi o fim de muitas ilusões para empresários e funcionários, que viveram uma moratória de quatro anos desde a chegada da Carveste.

O futuro ficou definitivamente comprometido no dia 3 de Junho desse ano, data em que deveriam regressar ao trabalho. As trabalhadoras, a maioria das quais com mais de dez anos de empresa, alguns casais, ficaram sem alternativas e foram para o desemprego sem receber o subsídio de férias em atraso desde o ano passado e com o mês de Maio por pagar. A administração alegou na altura que a Gartêxtil não tinha dinheiro para os últimos salários, mas garantiu que ia tentar aderir a mais um plano de recuperação de empresas. Cenário que não deu quaisquer resultados práticos. Depois de vários anúncios de abertura e propostas de aquisição, alguns trabalhadores decidiram processar a administração. Nove funcionários, que se despedirem com o fundamento de salários em atraso, moveram uma acção judicial afim de tentar reaver os vencimentos que já não recebiam desde Maio de 2002. O Tribunal de Trabalho da Guarda notificou então os últimos responsáveis da empresa para regularizar a situação, mas o processo veio devolvido com aviso de recepção e a justificação de que teria sido nomeado outro administrador, neste caso, Francisco Cabral, dono da Carveste.

Mas após ter sido marcada uma nova auditoria para ouvir ambas as partes, o processo voltou a parar, uma vez que o empresário alegou ter rescindido com a empresa e que por isso já não fazia parte do seu Conselho de Administração aquando do encerramento. Por apurar está também o que se passou na empresa para que tenha fechado ao fim de quatro anos após injecção de mais de 1,8 milhão de euros (370 mil contos) de apoios, atribuídos pelo IAPMEI, e de um processo de recuperação durante o qual o seu passivo foi drasticamente reduzido e com prazos de pagamento a longo prazo (10 anos), tendo os trabalhadores abdicado de 90 por cento das suas remunerações em atraso.

Luis Martins

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